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segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

A Emendocracia Brasileira: O Fisiologismo Como Regra e o Fim dos Grandes Articuladores



Por Elias Tavares, cientista político


O anúncio da liberação de R$ 7,5 bilhões em emendas parlamentares pelo governo federal, estrategicamente sincronizado com a semana mais crucial do Congresso Nacional para a aprovação das reformas tributária e fiscal, lança uma luz incômoda sobre o funcionamento do nosso sistema político. A relação entre Executivo e Legislativo, que deveria ser pautada por diálogo e articulação política, transformou-se em um jogo explícito de “toma lá, dá cá”. Esse fenômeno, que chamo de "emendocracia", redefine o papel do Congresso e escancara o caráter fisiológico que permeia as relações institucionais no Brasil.

Em um momento em que o país precisa avançar com urgência em pautas estruturantes, como a reforma tributária e o arcabouço fiscal, é curioso observar como a liberação bilionária de emendas, uma ferramenta legítima quando utilizada com critério, surge como pré-requisito para que os interesses do governo avancem no Parlamento. A impressão que fica é que, sem emendas, as pautas de interesse do Executivo estariam fadadas ao esquecimento. Esse contexto reflete um Congresso que, hoje, mais demanda do que entrega.

poder de barganha do Legislativo chegou ao seu ápice, a ponto de transformar o presidencialismo brasileiro em algo que se assemelha ao semipresidencialismo defendido recentemente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Ele afirmou que a adoção desse modelo seria uma evolução institucional, mas a realidade é que, na prática, já vivemos algo próximo a isso. O governo federal, cada vez mais refém do Congresso, só consegue aprovar suas pautas prioritárias por meio de acordos financeiros disfarçados de articulação política. O que deveria ser negociação política virou uma mera troca de interesses imediatistas.

O Fim dos Grandes Articuladores

Essa nova realidade política evidencia também a ausência de figuras capazes de articular consensos no Congresso sem recorrer à liberação de recursos públicos. O Brasil já teve grandes articuladores que, com habilidade política e visão de Estado, construíram pontes e viabilizaram mudanças significativas. Líderes como Michel Temer, reconhecido como um pacificador, ou Ulysses Guimarães, o "Senhor Diretas", eram capazes de conduzir negociações com inteligência e autoridade moral, sem precisar distribuir bilhões em emendas.

Outros nomes, como José Sarney, no Senado, e Renan Calheiros, em diferentes momentos, desempenharam o papel de mediadores em situações de alta tensão política. Eles compreendiam que a política, apesar de suas complexidades, não pode se resumir a interesses pessoais. Infelizmente, essa tradição parece ter ficado no passado.

Hoje, o que temos é um Congresso fragmentado, onde os interesses individuais e regionais se sobrepõem ao interesse nacional. A figura do articulador político, aquele que transita entre as bancadas, escuta os diferentes lados e constrói acordos em nome de um projeto de país, desapareceu. Em seu lugar, surge um sistema onde o diálogo cede espaço a uma negociação financeira descarada, em que votos são trocados por emendas.

O Custo do Fisiologismo

emendocracia é um reflexo de um fisiologismo que há muito tempo corrói nossas instituições. Deputados e senadores, em vez de pensarem no país, concentram-se em maximizar seus ganhos eleitorais e atender interesses de seus redutos políticos. O Executivo, por sua vez, tornou-se refém dessa lógica, incapaz de aprovar pautas essenciais sem abrir os cofres públicos.

Esse cenário tem implicações graves para a governabilidade e para a qualidade da democracia brasileira. Enquanto bilhões são liberados para satisfazer demandas parlamentares, a sociedade enfrenta uma crise fiscal sem precedentes, com um orçamento cada vez mais engessado e prioridades nacionais relegadas ao segundo plano.

Se antes as reformas eram fruto de diálogo e articulação, hoje elas são compradas. O resultado é um sistema político que se move em função de interesses imediatistas, sem planejamento estratégico e sem pensar no Brasil de longo prazo. Trata-se de um sistema que trabalha para si mesmo, e não para o povo que deveria representar.

Conclusão

O que está em jogo não é apenas a aprovação das reformas tributária e fiscal, mas o futuro do próprio modelo democrático brasileiro. A prática da emendocracia, com sua barganha explícita entre Executivo e Legislativo, mina a credibilidade das instituições e reforça a percepção de que o sistema político brasileiro está quebrado.

É urgente resgatar o papel da política como instrumento de transformação social. Isso passa por limitar o uso das emendas parlamentares como moeda de troca e resgatar o papel do articulador político, aquele que negocia com base no interesse público, e não em interesses particulares.

Até que isso aconteça, continuaremos a ser reféns de um sistema onde a política é decidida a partir do bolso, e não da cabeça. A verdadeira reforma que o Brasil precisa é a reforma do nosso próprio modelo de fazer política, que hoje, infelizmente, se reduz a uma triste e disfuncional emendocracia.


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