É com a pena pesada e o espírito inquieto que me atrevo a comentar O Auto da Compadecida 2, tentativa canhestra de continuidade de um legado que merecia melhor sorte. Que Ariano Suassuna, dos altos céus literários, interceda por essa peça, ora apresentada como tributo, ora como profanação.
De todo, o que vemos é um arremedo sem alma, um espetáculo que, desprovido do engenho do criador original, transforma a simplicidade graciosa do sertão em um amontoado de caricaturas desrespeitosas. Falta a sagacidade de Suassuna, sua capacidade de engendrar o humor que nasce do povo e o eleva à esfera do universal. Aqui, o riso é forçado, a graça é bisonha, e a dignidade do cenário sertanejo é trocada por um verniz grosseiro que pouco tem a dizer sobre a verdade da vida nordestina.
Guel Arraes, vizinho de Ariano e extremamente feliz ao reunir boa parte da comédia do escritor paraibano numa mesma obra, parece ter sucumbido à tentação da mediocridade que, salvo raras exceções, assola o cinema nacional. É um espetáculo que, antes de celebrar, desvirtua: o sertão vira palco de estereótipos vulgares, despojados da profundidade e humanidade que outrora nos fizeram rir e pensar.
Não há poesia, não há mistério; há, em seu lugar, uma subserviência aos clichês da indústria que pretende capturar o sertão como mercadoria, não como cultura. A crítica não é apenas à obra, mas a um sistema que insiste em nos dar o espelho rachado de uma nação que pouco conhece de si mesma.
O Auto da Compadecida 2 é a prova cabal de que, sem a mão de um gênio, as peças da tradição não se sustentam. Há, aqui, a diferença crucial entre homenagem e pastiche, entre o sopro criador e o eco desbotado de uma inspiração perdida.
Em suma, que se encene o sertão, mas com o respeito e a grandeza que ele merece. Que se lembre de Ariano Suassuna, mas sem transformar sua memória em espetáculo vazio. Que nos reste, ao menos, a esperança de que o cinema brasileiro não se reduza ao papel de caricatura de si mesmo.
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