A nova ordem de Trump provoca preocupações e reações nos EUA e no mundo - Blog A CRÍTICA

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segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

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A nova ordem de Trump provoca preocupações e reações nos EUA e no mundo

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Por Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP


O noticiário sobre o novo presidente dos EUA, Donald Trump, tende a retratar sua chegada à Casa Branca como um irresistível tufão soprando sobre os EUA e o mundo.

Em momentos como esse, porém, é bom não esquecer que, no voto popular, ele venceu a eleição contra a candidata democrata Kamala Harris, por apenas 1% dos votos (49,9% a 48, 4%). Margem quase insignificante que deveria orientá-lo para fazer um governo mais equilibrado entre as duas maiores forças políticas do país.

Mas Trump, cujo Partido Republicano venceu nas duas casas do Congresso, valoriza mais os resultados do Colégio Eleitoral, essa anomalia que afeta, ainda hoje, a democracia dos EUA, favorecendo os estados menos populosos e mais conservadores, que lhe deu uma vantagem bem maior, de 312 a 226 votos.

Vantagem que reforça sua arrogância, que não se atenuou nem durante a cerimônia de posse em que não poupou críticas à administração anterior, cujos titulares, Joe Biden e Kamala Harris, a acompanhavam presencialmente um pouco atrás do púlpito onde ele discursava. É bom lembrar que Trump nunca reconheceu a vitória de Biden na eleição anterior, incentivou uma multidão a invadir o Capitólio para tentar barrar a proclamação da vitória do adversário e não compareceu à posse. E, nestes primeiros dias de seu segundo mandato, tratou de perdoar os invasores do Capitólio, que tentaram barrar a proclamação da vitória de Joe Biden, ação pela qual um bom número de seus simpatizantes havia sido condenado à prisão.

Mais experiência e conhecimento do cargo

Na interpretação de especialistas e da imprensa internacional, Trump volta à Casa Branca com um grau de experiência e conhecimento do poder do cargo maiores do que no seu primeiro mandato – conhecimento que se refletiu na montagem de seu secretariado, cujos membros se espelham, sem contestações, nos objetivos trumpianos. E nas suas primeiras horas e dias no poder, Trump tratou de eliminar, via decretos presidenciais, uma miríade de decisões que haviam sido tomadas pelo governo democrata anterior.

As duas de maior relevância internacional foram a retirada dos EUA dos Acordos de Paris e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Surgidos em 2015, os Acordos de Paris objetivam a adaptação dos países ao redor do mundo às mudanças climáticas e o financiamento ao seu mitigamento. A Organização Mundial de Saúde, que tem por “objetivo desenvolver ao máximo possível o nível de saúde de todos os povos”, busca minorar os efeitos maléficos de doenças, pandemias e da fome ao redor do mundo.

Para se ter uma ideia do impacto dessas decisões, basta lembrar que os EUA são o segundo maior poluidor da atmosfera terrestre, atrás apenas da China e o presidente vai reestimular a produção, do também poluidor, petróleo no país. Já com a OMS, a contribuição anual dos EUA atinge a parruda quantia de US$ 550 milhões (R$3,3 bilhões). Nessas duas decisões, Trump repetiu as que já havia tomado em seu primeiro mandato e revertidas por Joe Biden.

Reequilíbrio comercial com a Europa

Por videoconferência, Trump também exibiu aos participantes do tradicional Foro de Davos, empresários e políticos de vários países, seu decidido objetivo de alinhar as relações econômicas e políticas internacionais aos objetivos de seu governo. São questões que vão desde tratativas para acabar com a guerra entre Rússia e Ucrânia, talvez congelando o status quo do atual embate bélico, o que favoreceria os objetivos expansionistas de Putin, passando por um reequilíbrio das relações comerciais entre os EUA e a Europa, em que esta última apresenta superávits, até o estímulo para que empresas europeias, que fornecem ao mercado norte-americano, passem a produzir diretamente nos EUA. Recados que reforçaram as preocupações dos europeus com o novo governo norte-americano, manifestadas na reunião de Davos já antes do pronunciamento de Trump.

No front interno, o novo governante norte-americano colocou toda a estrutura da administração sob suspense com seus secretários (que correspondem a ministros no Brasil) tentando instalar a nova ordem. A definição exposta por Trump, no seu discurso de posse, de que seu governo só enxerga oficialmente a existência de dois sexos, o masculino e feminino, colocou na defensiva, inclusive frente a possíveis denúncias, os funcionários do governo membros da comunidade LGBTQIA+.

Em meio às preocupações locais e mundiais diante dos rumos do novo governo Trump, nada repercute tão intensamente como a decisão, anunciada já na campanha, de expulsar do país imigrantes que não atendam às normas legais mínimas para a permissão para que morem e trabalhem nos EUA. Trump, durante a campanha, criminalizou os imigrantes que acessam os EUA pela fronteira sul, fazendo desse discurso um prato forte de seus discursos. Não esqueçamos que o agressivo muro que separa boa parte da fronteira entre os EUA e o México é obra de seu governo anterior. E a máquina do novo governo já atua nesse sentido, atingindo, inclusive, imigrantes cujo processo de legalização já estava encaminhado.

O apelo da bispa de Washington

As duas decisões do novo governo, a referente ao reconhecimento de só dois sexos e a que afeta uma enorme população de migrantes, que abraça trabalhos que a sociedade norte-americana julga “menores”, renderam uma inesperada crítica pública a Trump, durante uma das cerimônias religiosas em comemoração de sua posse na Igreja Episcopal de Washington. O novo presidente foi surpreendido por um pedido, do púlpito, durante a cerimônia, da Reverenda Miriam Edgar Budde, bispa de Washington:

“Há crianças gays, lésbicas e transgêneros em famílias democratas, republicanas e independentes, algumas que temem por suas vidas. As pessoas que colhem em nossas plantações e limpam nossos prédios de escritórios, que trabalham em granjas e em frigoríficos, que lavam a louça depois que comemos em restaurantes e trabalham nos turnos noturnos em hospitais, elas podem não ser cidadãs ou ter a documentação adequada, mas a grande maioria dos imigrantes não é criminosa. Peço que tenha misericórdia, sr. presidente, daqueles em nossas comunidades cujos filhos temem que seus pais sejam levados embora, e que ajude aqueles que estão fugindo de zonas de guerra e perseguição em suas próprias terras a encontrar compaixão e boas-vindas aqui. Nosso Deus nos ensina que devemos ser misericordiosos com o estrangeiro.”

Após a fala, Trump classificou-a como “esquerdista radical” e sugeriu que a bispa se retratasse.

A Reverenda Miriam Edgar Budde manteve o que disse.

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