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quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

A poesia na poesia que há

Reprodução/Associação Caatinga no Facebook


Um dos espetáculos mais singulares deste vasto Brasil é o drama da caatinga, essa senhora de temperamento tão peculiar. Entre os seis biomas que bordam o país, é ela quem sabe fazer de sua secura uma poesia, transformando-se quando menos se espera. É no auge da secura, no clímax de sua austeridade, que a caatinga trama sua reviravolta. Com a chegada das chuvas, o verde se insinua por entre os galhos cinzentos e retorcidos, e eis que o sertão se veste de gala, calando, por um instante, os críticos da seca e seus discursos de lamúria.


Outro dia escrevi que tanto é bela a caatinga quando seca quanto quando verde. Ora, a mim não cabe escolher entre esses dois rostos da mesma dama. Não sou poeta, mas lembro Fernando Pessoa: "O que for, quando for, é que será o que é". Há sabedoria no inevitável.


Curiosamente, o único que ouvi reclamar do sertão verde foi Luís da Câmara Cascudo, num poema de sua juventude modernista. Quem diria? Mas logo ele, que tão bem conhecia o coração do Nordeste. Já Durval Muniz, sempre atento aos discursos e suas imagens, apontou como o sofrimento moldou nossa percepção do sertão. E, no entanto, o bioma em si não se lamenta. Não chora pela seca, tampouco canta pelas chuvas. Se a caatinga fosse pessoa, talvez se alegrasse com o calor, alheia às complexidades humanas que buscam tristeza onde há apenas natureza.


E falemos de poesia. Para Aristóteles, poesia era imitação, mimese. Mas há algo além. A poesia está nas coisas mesmas, e o poeta, coitado, apenas descreve o que todos veem, mas poucos compreendem.


A nossa poeta Constância Uchôa, que aqui n’A CRÍTICA dispensa o diminutivo “poetisa” – termo que já deixei de lado, com licença – captou bem a essência dessa metamorfose da caatinga. Ela descreve com uma precisão tão delicada que quase nos faz ouvir o verde brotando no meio da aridez, como se cada folha cantasse um hino de renascimento.


E assim, entre versos e verdor, entre chuvas e secas, a caatinga se revela. Não é menos bela quando nua, nem mais quando adornada. É, simplesmente, o que é: um poema em constante mutação, escrito pela natureza e lido por aqueles que sabem olhar.


Folia do Sertão


(Por Constância Uchôa)


Acho que a tinta dos céus,

Vem sem formato e sem cor.

Quando toca numa árvore,

Passa uma mão de amor.

A chuva faz tanto bem,

Porque na água contém

As mãos de Nosso Senhor.


A caatinga ressequida,

Renascendo com harmonia.

A paisagem ganha vida,

Encorpada com poesia.

A natureza faz festa,

Ô coisa, meu Deus, que presta:

Ver o sertão com folia!


Os pássaros cantam forte,

Em colorido anormal.

Todos os verdes se enfeitam,

Para acolher animal.

A Sapucaí não faz,

Não há avenida capaz

De desfilar nada igual.


Os açudes tomam água,

Os peixes? vê-se em cardume…

Os anfíbios coaxando,

A terra sopra um perfume 

Da natureza criança,

No carnaval da esperança.

Como se é de costume. 


Carnaval de sertanejo,

É tomar banho em biqueira,

É saber que a plantação

Deus regou sem ter mangueira.

É garantir o sustento,

Sentir gosto do alimento,

Cultivado a vida inteira.


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