Reprodução/Associação Caatinga no Facebook |
Um dos espetáculos mais singulares deste vasto Brasil é o drama da caatinga, essa senhora de temperamento tão peculiar. Entre os seis biomas que bordam o país, é ela quem sabe fazer de sua secura uma poesia, transformando-se quando menos se espera. É no auge da secura, no clímax de sua austeridade, que a caatinga trama sua reviravolta. Com a chegada das chuvas, o verde se insinua por entre os galhos cinzentos e retorcidos, e eis que o sertão se veste de gala, calando, por um instante, os críticos da seca e seus discursos de lamúria.
Outro dia escrevi que tanto é bela a caatinga quando seca quanto quando verde. Ora, a mim não cabe escolher entre esses dois rostos da mesma dama. Não sou poeta, mas lembro Fernando Pessoa: "O que for, quando for, é que será o que é". Há sabedoria no inevitável.
Curiosamente, o único que ouvi reclamar do sertão verde foi Luís da Câmara Cascudo, num poema de sua juventude modernista. Quem diria? Mas logo ele, que tão bem conhecia o coração do Nordeste. Já Durval Muniz, sempre atento aos discursos e suas imagens, apontou como o sofrimento moldou nossa percepção do sertão. E, no entanto, o bioma em si não se lamenta. Não chora pela seca, tampouco canta pelas chuvas. Se a caatinga fosse pessoa, talvez se alegrasse com o calor, alheia às complexidades humanas que buscam tristeza onde há apenas natureza.
E falemos de poesia. Para Aristóteles, poesia era imitação, mimese. Mas há algo além. A poesia está nas coisas mesmas, e o poeta, coitado, apenas descreve o que todos veem, mas poucos compreendem.
A nossa poeta Constância Uchôa, que aqui n’A CRÍTICA dispensa o diminutivo “poetisa” – termo que já deixei de lado, com licença – captou bem a essência dessa metamorfose da caatinga. Ela descreve com uma precisão tão delicada que quase nos faz ouvir o verde brotando no meio da aridez, como se cada folha cantasse um hino de renascimento.
E assim, entre versos e verdor, entre chuvas e secas, a caatinga se revela. Não é menos bela quando nua, nem mais quando adornada. É, simplesmente, o que é: um poema em constante mutação, escrito pela natureza e lido por aqueles que sabem olhar.
Folia do Sertão
(Por Constância Uchôa)
Acho que a tinta dos céus,
Vem sem formato e sem cor.
Quando toca numa árvore,
Passa uma mão de amor.
A chuva faz tanto bem,
Porque na água contém
As mãos de Nosso Senhor.
A caatinga ressequida,
Renascendo com harmonia.
A paisagem ganha vida,
Encorpada com poesia.
A natureza faz festa,
Ô coisa, meu Deus, que presta:
Ver o sertão com folia!
Os pássaros cantam forte,
Em colorido anormal.
Todos os verdes se enfeitam,
Para acolher animal.
A Sapucaí não faz,
Não há avenida capaz
De desfilar nada igual.
Os açudes tomam água,
Os peixes? vê-se em cardume…
Os anfíbios coaxando,
A terra sopra um perfume
Da natureza criança,
No carnaval da esperança.
Como se é de costume.
Carnaval de sertanejo,
É tomar banho em biqueira,
É saber que a plantação
Deus regou sem ter mangueira.
É garantir o sustento,
Sentir gosto do alimento,
Cultivado a vida inteira.
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