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sábado, 18 de janeiro de 2025

A Tirania do Algoritmo: Democracia, Demagogia e o Poder das Big Techs




A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de manter a lei que pode suspender as operações do TikTok no país não é apenas um ato jurídico, mas a expressão de uma tensão mais profunda que define o espírito de nosso tempo: a luta pelo controle das tecnologias digitais como instrumentos de poder global. Nessa disputa, encontram-se em jogo não apenas questões de soberania nacional, mas o próprio futuro da liberdade política e da democracia.


A exigência de que o TikTok se desvincule da ByteDance, sua controladora chinesa, expõe a fragilidade das democracias diante da possibilidade de interferências externas em seus sistemas informacionais. A justificativa americana, ancorada na proteção da segurança nacional, revela uma verdade inescapável: na era das big techs, dados e algoritmos tornaram-se os novos territórios de conquista, e os fluxos de informação, o campo de batalha de uma geopolítica redefinida.


Contudo, essa batalha transcende a rivalidade entre Estados. No Brasil, o conflito entre o Supremo Tribunal Federal e plataformas digitais como o Twitter evidencia que o poder das big techs não se limita às fronteiras nacionais. Essas empresas, ao se tornarem mediadoras quase absolutas das interações sociais e políticas, desafiam a autoridade tradicional dos Estados e criam novas dinâmicas de soberania, em que o controle sobre a narrativa pública é a principal moeda de troca.


A questão fundamental, entretanto, é mais profunda: a democracia, em sua essência, está em xeque. A promessa inicial da internet – de que seria uma ferramenta de emancipação, um espaço para a expressão plural e para a participação direta dos cidadãos – mostrou-se uma ilusão. A demagogia, esse velho inimigo da democracia, encontrou na internet um terreno fértil para se reinventar. Na antiguidade, a democracia direta, como advertia Aristóteles, corria o risco de se converter na tirania da maioria. Hoje, na era digital, esse perigo assume formas mais sofisticadas e insidiosas, permitindo que os novos "imperadores digitais" manipulem massas inteiras por meio de algoritmos opacos e narrativas cuidadosamente desenhadas.


O que está em jogo não é apenas o controle sobre as big techs, mas a própria capacidade das democracias de resistirem à manipulação demagógica. A imprensa livre, outrora um contrapeso essencial ao poder, enfrenta agora um duplo desafio: por um lado, é deslegitimada como parte de uma conspiração nebulosa contra "o povo"; por outro, é frequentemente substituída por fluxos de informação fragmentados e polarizadores, amplificados por plataformas que lucram com o caos.


A ascensão dos líderes das big techs como figuras de poder global também traz à tona um paradoxo inquietante. Eles se apresentam como agentes de conectividade e inovação, mas, ao mesmo tempo, suas ações frequentemente corroem os fundamentos da esfera pública. Ao simplificar debates complexos e amplificar vozes demagógicas, essas plataformas não apenas fragmentam o tecido social, mas criam uma nova forma de tirania: a tirania do algoritmo, que não presta contas a ninguém, mas determina, silenciosamente, o que vemos, pensamos e, eventualmente, fazemos.


Como advertiu Ortega y Gasset, a arte do político consiste em confundir as coisas. Na medida em que as massas buscam salvadores que prometem libertá-las de um "sistema opressor", acabam por entregar sua autonomia a figuras que consolidam sua tirania. A diferença, na era digital, é que os demagogos não precisam mais conquistar apoio por meio de instituições ou disputas partidárias. Basta mobilizar uma massa fragmentada – os "idiotas da internet" – para legitimar seu poder e desestabilizar as democracias por dentro.


O desafio que enfrentamos não é apenas tecnológico ou geopolítico, mas profundamente humano. Ele exige que reflitamos sobre os limites do poder e sobre as condições necessárias para que a liberdade e a verdade possam sobreviver em um mundo cada vez mais dominado por forças que operam além do alcance das instituições democráticas. Trata-se, como sempre, de compreender a fragilidade do humano em face das estruturas que ele mesmo criou – e de reconhecer que, sem uma esfera pública ancorada no diálogo e na pluralidade, não há democracia que possa resistir.


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