Crônica do Além: O Leitor no Brasil - Blog A CRÍTICA

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terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Crônica do Além: O Leitor no Brasil



(Por Machado de Assis, do lado de cá do mistério)


Neste 7 de janeiro, celebra-se o Dia do Leitor. Um dia, dizem-me, dedicado àquele que se embrenha pelas letras, buscando nelas alguma verdade, beleza ou consolo. A data trouxe-me uma inquietação, e, do meu canto etéreo, debruço-me sobre o Brasil contemporâneo, observando-o com olhos de quem já viu muito e, por vezes, desejou ver menos.

No meu tempo, a nação mal sabia ler. Havia ali um punhado de iluminados que devoravam os clássicos, discutiam ideias e enchiam o peito de progresso. Mas a verdade, permitam-me a franqueza, é que o livro era um exílio de poucos. O povo — aquele mesmo que me inspirava com seus tipos, suas misérias e astúcias — permanecia distante das letras, apartado do papel e da tinta.

Hoje, informam-me que há mais escolas, mais livros, mais leitores. Mas, como o diabo esconde-se nos detalhes, também me contam que o livro, esse velho amigo, continua a ser tratado como um estranho na casa de muitos brasileiros. Não por falta de curiosidade, mas por falta de acesso, incentivo e, talvez, um certo desprezo cultural que se perpetua, como uma sombra.

Ah, Brasil, que nação és tu, que ergue estátuas para heróis que não leu? Que celebra Machado em suas escolas e o deixa empoeirado nas estantes? Não me interpretem mal, leitores do além e do aquém: não aponto dedos; apenas observo. Sei que a leitura, em tempos de pressa e telas cintilantes, disputa espaço com mil distrações. Ainda assim, pergunto-me: como pode um povo reinventar-se sem dialogar com seus livros?

Se a leitura é um espelho, que retrato refletimos quando poucos se debruçam sobre ele? Se é uma ponte, quantos atravessam para o outro lado?

Não lamento por mim; os livros que escrevi continuarão a vagar por aí, esbarrando em almas afins. Lamento por vocês, que talvez não saibam o que perdem quando deixam de abrir um livro e permitir que ele lhes desvende um mundo.

Neste dia do leitor, pois, celebro não apenas os que leem, mas os que desejam ler. Porque, no desejo, há o embrião da mudança. Que o livro deixe de ser um objeto raro e torne-se um amigo constante, um companheiro nas horas boas e más.

E se, por acaso, encontrarem nas minhas palavras algum motivo para abrir um volume que anda esquecido, considerem-se convidados. Não prometo finais felizes, mas garanto que, no caminho, encontrarão um pouco de vocês mesmos.

Do além, com afeição e esperança,


Machado de Assis

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