Elas são apenas a ponta do iceberg de um sistema incapaz de equilibrar demandas sociais, políticas e orçamentárias, afirma Antonio Carlos de Freitas Jr, Doutor em Direito Constitucional pela USP
Antonio Carlos de Freitas Jr |
A recente aprovação e sanção do projeto de lei que regulamenta o pagamento das chamadas "emendas Pix", agora ampliadas e com regras de maior transparência, reacendeu o debate sobre o modelo de distribuição orçamentária no Brasil. Essas emendas, que permitem transferências diretas de recursos públicos a estados, municípios ou entidades sem detalhamento prévio, têm provocado atritos entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo levantamento do Senado Federal, em 2024, mais de R$ 10 bilhões foram distribuídos via emendas Pix. O crescimento exponencial é evidente: de 2019 a 2024, o volume de recursos aumentou 12 vezes. Embora o Congresso afirme que o mecanismo democratiza o orçamento, críticos apontam para a falta de controle efetivo sobre a destinação dos valores.
“O nosso presidencialismo de coalizão, apoiado por emendas, escancara as fragilidades do sistema. O Judiciário intervém pedindo maior transparência, mas a essência do problema é estrutural. Não temos coragem para discutir um modelo de governo mais eficiente, como o parlamentarismo ou mesmo o semipresidencialismo”, analisa o advogado constitucionalista Antonio Carlos de Freitas Jr., Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela USP e CEO do AC Freitas Advogados.
Em sua visão, a arquitetura da Constituição de 1988 levou o Brasil a um modelo de negociatas. “O grande nó da reforma política, tão necessária ao país, é este. A arquitetura institucional da Constituição, construída pela Assembleia Nacional Constituinte, fez com que o poder de governo estivesse na Câmara e no Senado, levando o Presidente da República a ‘alugar’ este poder de governo. Ele aluga por meio de emendas, por meio de nomeação de ministros, e já alugou até no passado por meio de mensalão, por meio de corrupção. Enquanto o chefe de governo não tiver o efetivo poder de governar, ele vai sempre precisar ficar alugando – de maneira mais ou menos republicana – o poder de governo do Congresso Nacional”, avalia o advogado.
Em dezembro, o STF determinou que o governo forneça informações detalhadas sobre os critérios de distribuição dessas emendas. A decisão surgiu após investigações apontarem possível favorecimento político em estados e municípios comandados por aliados do governo. Alguns partidos de oposição denunciaram o uso das emendas como moeda de troca para garantir apoio no Legislativo.
Dados compilados mostram que os maiores beneficiários das emendas Pix são parlamentares de partidos com forte influência no Congresso. Apenas em 2024, estados governados por legendas da base aliada concentraram cerca de 65% dos recursos, reforçando o caráter político do mecanismo.
Para Freitas Jr., a situação reflete a inércia em promover reformas estruturantes no Brasil. “O presidencialismo de coalizão cria uma relação simbiótica entre Executivo e Legislativo que enfraquece a separação dos poderes e compromete a eficiência administrativa. As emendas Pix são apenas a ponta do iceberg de um sistema incapaz de equilibrar demandas sociais, políticas e orçamentárias.”
Outro ponto de atrito é a falta de mecanismos robustos de fiscalização. Embora a nova regulamentação exija maior transparência na destinação das verbas, especialistas afirmam que isso não será suficiente para coibir abusos. “Sem uma reforma ampla que contemple tanto o sistema político quanto os critérios de distribuição orçamentária, continuaremos a alimentar um ciclo vicioso de troca de favores e uso ineficiente dos recursos públicos”, conclui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário