A esquerda festiva, o centrão e o carnaval - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

A esquerda festiva, o centrão e o carnaval



O Carnaval, como fenômeno cultural, tem suas raízes na Europa pré-moderna, com origens ainda mais distantes na antiguidade, onde funcionava como uma válvula de escape social dentro de sociedades rigidamente estratificadas, as elites aceitavam a ignorância popular. Trazido ao Brasil pelo colonizador português, encontrou solo fértil para se expandir devido à ausência histórica de um projeto educacional inclusivo e à permanência de uma desigualdade social extrema. Diferentemente do que ocorreu em países europeus, onde a universalização do ensino foi acompanhada pelo esvaziamento das festividades carnavalescas, no Brasil, o evento tornou-se um dos principais símbolos da identidade nacional, perpetuando a lógica do entretenimento como mecanismo de apaziguamento social.


A educação universal é um ideal iluminista que encontrou forte resistência no Brasil, onde, até a Constituição de 1988, o acesso ao conhecimento era sistematicamente negado às camadas populares. Durante séculos, a ignorância foi instrumentalizada pelas elites como ferramenta de dominação política e econômica. O resultado foi um país que adentrou o século XXI carregando ainda um dos mais altos índices de analfabetismo funcional do mundo, o que evidencia a permanência de uma cultura política que busca perpetuar a alienação das massas.


O Carnaval, nesse contexto, foi elevado à condição de símbolo nacional, tornando-se um espelho da autossabotagem brasileira. Historicamente, o folclore sempre esteve atrelado à direita política, que via nas festividades populares uma forma de distração das massas e um reforço da identidade nacional moldada pelo regime vigente. Contudo, em um movimento paradoxal, a esquerda, que tradicionalmente valorizava o racionalismo científico e buscava democratizar a alta cultura, passou a se apropriar do Carnaval como expressão de luta política e resistência cultural.


Karl Marx entendia a cultura popular como um reflexo das condições materiais e da estrutura de classes. No entanto, a esquerda festiva, composta por jovens de classe média, deslocou-se das questões estruturais para a defesa de pautas identitárias e comportamentais, distanciando-se das reivindicações econômicas da classe trabalhadora. Esse deslocamento contribuiu para a perda de influência dos sindicatos e das organizações tradicionais da esquerda junto às massas populares, que passaram a buscar acolhimento ideológico e comunitário no neopentecostalismo. Assim, a ascensão do conservadorismo evangélico no Brasil pode ser compreendida como uma reação ao esvaziamento da luta de classes e à alienação da esquerda em relação às reais demandas do proletariado.


Hoje, a direita evangélica condena o Carnaval sob o viés moralista, associando-o a tabus sexuais e a um suposto culto à transgressão, enquanto a esquerda contemporânea o defende como manifestação legítima da cultura popular. No entanto, o verdadeiro problema não reside no debate moral, mas na perpetuação de uma estrutura que mantém a população alheia ao desenvolvimento intelectual e político. O Carnaval, enquanto resquício de uma turba medieval europeia, simboliza, no Brasil, não apenas a celebração, mas também a permanência do subdesenvolvimento e da alienação coletiva.


Nesse ponto, a esquerda identitária encontra uma aliança inusitada com a oligarquia política do Centrão. Se para os progressistas o Carnaval representa um espaço de visibilidade para pautas comportamentais e identitárias, para as elites tradicionais, ele continua a desempenhar o papel de instrumento de contenção social. Essa convergência, ainda que motivada por interesses distintos, resulta na manutenção do status quo, garantindo que o povo brasileiro permaneça intelectualmente submisso e politicamente desmobilizado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages