Não direi que foi surpresa, pois há muito as surpresas me abandonaram. Antes, direi que foi conforme o costume, esse venerando hábito das instituições pátrias de engendrar resoluções ao crepúsculo, quando a atenção pública se distrai em folguedos ou repouso. Pois bem, a Câmara Municipal de Caicó, sempre ciosa de seus interesses, cuidou de votar um projeto de lei que lhes era sobremaneira proveitoso. Ocorreu o feito no dia inaugural do Carnaval, e, para evitar olhos inoportunos, ajustou-se o horário da sessão. Já o fizeram outrora, recordo-me bem: em 2020, enquanto a pandemia encerrava o ano com suas sombras, ali estavam os vereadores, diligentes, votando o aumento dos próprios estipêndios. Desta feita, o tributo à esperteza veio na forma de um auxílio-alimentação de R$ 1.500,00, quantia módica para quem já havia elevado sua remuneração de R$ 8.000,00 para R$ 11.900,00.
O Carnaval é a face suprema do subdesenvolvimento brasileiro, trata-se de uma turba da Idade Média trazida pelo colonizador português como entrudo e que ganhou uma dimensão absurda no Brasil do Século XX em razão de o país não ter escola e nas circunstâncias de a maioria da população do país ter sido marginalizada política e economicamente, não havia evolução intelectual e acesso à cultura. Hoje mesmo o IBGE divulgou números assustadores, menos de 20% da população brasileira possui formação superior, já o número de pessoas sem instrução ou sem concluir o ensino fundamental ainda a tinge 35%.
Geralmente as críticas ao Carnaval são moralistas, entretanto o problema não é que as pessoas transem, imagina tabu sexual depois de Freud, o problema é que as pessoas sejam burras. E manter as pessoas burras é o grande projeto da oligarquia política do Centrão. Portanto, temos aqui a simbiose da ação da Câmara de Caicó no momento em que o Município despende muito dinheiro público para fazer o carnaval. Trios elétricos e paredões de som são coisas de burros, criem-se boas escolas e nunca mais verás nenhum dessas aberrações de terceiro mundo.
A Câmara age, pois, com a astúcia de sempre: lança o decreto enquanto a turba se embriaga e as marchinhas sufocam os discursos. Dever-se-ia esperar indignação, protestos, vozes erguidas contra o despautério? Quem conhece o Brasil, e eu o conheço, sabe que não. Aqui, o povo só se organiza em bloco de Carnaval. Que ironia! A esquerda festiva, tão dada a enxergar revoluções na cadência do samba, talvez devesse perceber que a verdadeira revolução não se faz em desfiles, mas nas carteiras escolares. No dia em que o Brasil tiver escolas, talvez não tenha mais Carnaval — nem vereadores a decidir, entre um confete e outro, o destino dos cofres públicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário