Três advogados | Honoré Daumier
Cumprir ou não cumprir uma lei, ainda que injusta? Eis o dilema da justiça. Sócrates, aquele velho ateniense de barbas longas e ideias ainda mais compridas, preferiu beber cicuta a trair as leis da sua cidade. Alegou, com a serenidade dos sábios, que desobedecer significaria rejeitar Atenas, mãe generosa e carrasca cruel. E quem somos nós, mortais menores, para questionar Sócrates? Kant talvez diria que ele antecipou um imperativo categórico. Aliás, que mais é toda filosofia posterior senão o esforço de reinventar a trindade primitiva de Sócrates, Platão e Aristóteles?
Mas falemos de coisas menos sublimes e mais dolorosas: o bolso. Paguei a OAB. Sim, paguei. Oitocentos reais. Poderiam ter sido convertidos em um ano de café. Café amargo, mas meu. E agora? O que farão com o meu dinheiro? Usarão para confeccionar medalhas de latão dourado e pendurá-las no peito uns dos outros? Organizarão viagens para Brasília, passeios mascarados de compromissos solenes? Talvez promovam congressos onde se falará de justiça com a mesma fluidez com que se pratica a injustiça.
E eu, que não pedi para ser filiado a este sindicato medieval, pergunto-me: onde está a autonomia da vontade? Não existe. Getúlio, aquele ditador de boa vontade, resolveu que eu deveria estar organizado. A boa vontade dele, tão generosa, encheu o inferno, e ainda sobra para atazanar a terra. Agora, devo submeter-me. Por quê? Para quê?
Ah, como há gente que quer cuidar de mim! Cuidam tanto que, se me descuido, corro atrás de trio elétrico em praça pública ou, quem sabe, como capim para justificar o zelo paternal.
Por que devo ser filiado? Por que preciso ser parte de algo que não escolhi, que me toma e não me dá? A resposta talvez esteja escondida em algum labirinto jurídico, escrito em língua morta e assinado por mãos burocráticas. Mas até lá, o café ficou mais caro, e a justiça? Mais amarga.


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