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Reuters |
Chegamos, enfim, ao cimo da glória no instante mesmo em que o país se afundava na mediocridade, qual náufrago que, ao invés de se debater, resigna-se à voragem das águas turvas. Sufocado pelo miasma acre da urina, esse país de hábitos exíguos viu-se, não obstante, agraciado com um prêmio raro, como se a fortuna, em um assomo de capricho, houvesse resolvido nos acenar com um laurel imprevisto.
Contudo, sempre nos bastou a pequenez. As nossas elites, pouco dadas às letras e menos ainda às virtudes públicas, cuidaram apenas de si, enquanto o povo, esse monstro sonâmbulo, entregava-se a uma indolência quase filosófica, incapaz de se organizar sequer para resguardar os interesses mais imediatos.
Venceu o Oscar de melhor filme internacional a película Ainda Estou Aqui. Ironia das ironias: o feito se deu por meio de uma obra nascida sob os auspícios de uma história de opressão. O contexto de 1964 nos remete a um regime de força, em que a direita perseguiu a esquerda com o zelo com que os carrascos antigos poliam o fio do machado. Mas a arte, senhora indiferente a rótulos e conveniências, fez-se liberal, no sentido em que os direitos humanos, herdeiros do Iluminismo, jamais deixaram de ser. A grande novidade do liberalismo foi resguardar o indivíduo, esse ente moderno e vulnerável, contra o arbítrio do Estado.
O roteiro, baseado em fatos verídicos, narra o destino de um moderado opositor do regime, arrancado de sua casa e dissolvido na névoa das perseguições políticas. Mas a história, se não trouxesse datas e nomes, bem poderia ter ocorrido em Cuba, na União Soviética ou em qualquer outro rincão onde o poder se faz absoluto e a dissidência se paga com o silêncio perpétuo. O filme, conquanto não redima a nação de seus vícios, representa uma vitória: o Brasil, pela primeira vez, colheu a glória da estatueta dourada, um feito que não se alcança sem labor e talento.
Mas não nos enganemos. Estaremos mais elevados não quando o Oscar nos contemplar, mas quando o carnaval deixar de ser a nossa suprema aspiração. Nessa cidade de ares provincianos e espíritos rudimentares, os demagogos, com mãos hábeis e olhos escorregadios, desviam o erário para fomentar a estultícia, fazendo com que a turba, animada como uma récua de muares, corra atrás de caminhões entre gritos e confetes. Essas almas não conhecerão prêmios, nem glórias, nem o desejo de engrandecimento moral. Para elas, a vida será apenas o eco de um tambor rufando na poeira das ruas.
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