Especialistas avaliam as inseguranças jurídicas da Lei de Reciprocidade Econômica
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil |
A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.088/2023, que institui a Lei da Reciprocidade Econômica, autorizando o governo brasileiro a adotar contramedidas para países ou blocos econômicos que imponham barreiras comerciais aos produtos nacionais.
Inicialmente concebido para responder às medidas protecionistas da União Europeia, que impunha restrições ambientais como condição para negociação comercial, o projeto ganhou urgência devido às sobretaxas anunciadas pelos Estados Unidos, aplicando taxas entre 10% e 50% sobre produtos de 126 países que exportam para os EUA. Após semanas de negociações e atuação diplomática, o Brasil foi enquadrado na alíquota mínima de 10%.
Conforme o texto recém aprovado, o PL visa a estabelecer critérios para a suspensão de concessões comerciais, de investimentos e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual, pelo Poder Executivo e em coordenação com o setor privado, em resposta a ações, políticas ou práticas unilaterais de país ou bloco econômico que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira.
O Artigo 3º do PL concede ao Poder Executivo autorização expressa para implementar contramedidas, tais como a taxação de royalties e suspensão de direitos relativos à propriedade intelectual, impactando frontalmente as transações com bens intangíveis, como marcas e patentes, além da transferência de tecnologia não patenteada (know-how) e a prestação de serviços de assistência técnica, que são mecanismos jurídicos e comerciais fundamentais para a manutenção do desenvolvimento tecnológico nacional.
“É essencial avaliar os possíveis impactos dessas sobretaxas e do próprio PL nos contratos já celebrados, naqueles que estão por vir e na garantia de segurança jurídica para que o Brasil continue na rota dos investimentos de transferência de tecnologia. Atualmente, o Brasil depende da celebração de contratos de transferência de tecnologia para produção de vacinas, remédios, bens de consumo duráveis, plantas fabris, químicos, defensivos agrícolas, sementes e a lista não para por aqui. Os serviços de assistência técnica prestados por profissionais estrangeiros capacitam nossos engenheiros, agrônomos, químicos e técnicos de diversas áreas e indústrias produtivas”, explica Hannah Fernandes, advogada do Di Blasi, Parente & Associados, especializado em Propriedade Intelectual.
Contratos internacionais que envolvem pagamento de royalties e uso de bens de propriedade intelectual, tais como marcas, patentes, know-how, cultivares, software e direitos autorais, estarão vulneráveis. A incerteza causada pelas mudanças bruscas e instantâneas em contratos e tarifas faz com que empresas hesitem em investir e expandir, afetando o crescimento econômico e a previsibilidade nos negócios internacionais
“Em última instância, pode-se dizer que a aprovação do PL 2.088/2023 traz um potencial enfraquecimento ao sistema de proteção da propriedade intelectual no Brasil. Isso porque, ao adotar contramedidas que vulnerabilizam transações com intangíveis, abre-se margem para a intervenção estatal em contratos privados, que, de uma hora para outra podem ter os pagamentos comprometidos. A possível intervenção estatal em contratos privados gera insegurança jurídica e torna o Brasil um ambiente mais arriscado para negociações envolvendo ativos intangíveis. Afinal, se existe uma lei que autoriza o Estado a intervir em contratos privados, os titulares de direitos de propriedade intelectual perdem previsibilidade e confiança no mercado brasileiro”, comenta Amanda Felippe, advogada do DBPA.
“Um exemplo crítico seria um contrato de licença de patente oneroso em que, por decisão governamental, a exploração da tecnologia seja determinada como gratuita. Isso significaria que detentores de patentes estrangeiras no Brasil, que atualmente lucram com o uso de suas invenções, poderiam ter seus ganhos drasticamente reduzidos ou até eliminados. Outro ponto de incerteza é a forma como essa nova lei será aplicada. Diante desse cenário, é fundamental um acompanhamento rigoroso da implementação do PL como lei e de seus desdobramentos, a fim de evitar distorções que possam comprometer a segurança construída no Brasil, desde a promulgação da Lei da Propriedade Industrial, para investimentos de titulares de direitos de propriedade intelectual”, complementa.
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