Ajuste no decreto do IOF afasta temor de controle de capitais, mas deixa incerteza sobre efeitos fiscais inicialmente pretendidos e sobre a estratégia fiscal até as eleições
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| Felipe Salto, economista Imagem: Arquivo Pessoal |
O Ministério da Fazenda fez bem em recuar nos dois tópicos mais polêmicos do decreto presidencial de ontem. Contudo, foram vários os erros cometidos:
a) a combinação dos anúncios de uma notícia bastante positiva, a do corte de gastos de R$ 31,3 bilhões, com a divulgação de novas alíquotas do IOF;
b) a explicitação de que o Banco Central não havia sido consultado, mesmo havendo evidente necessidade de se debater uma medida com forte impacto na política cambial e na mobilidade de capitais;
c) o comprometimento com receitas adicionais vinculadas ao decreto do IOF que, agora, ficam parcialmente prejudicadas;
d) a falta de diálogo prévio com os setores afetados para legitimar as medidas anunciadas; e
e) a cereja do bolo: o vazamento de parte das informações, que produziu reações negativas no mercado e estimulou a prejudicial especulação em torno do tema.
Na prática, o decreto continua bastante abrangente, mesmo depois dos recuos de ontem à noite: a não revogação do dispositivo que trata das remessas de pessoas físicas para investimentos (a alíquota permanecerá em 1,1%) e a retirada da pretendida alíquota de 3,5% para as remessas referentes a fundos no exterior.
Nesse sentido, é possível que os efeitos fiscais preconizados, de cerca de R$ 20 bilhões, neste ano, e de mais de R$ 40 bilhões, no ano que vem, sejam preservados. De todo modo, é essencial que a Receita Federal divulgue, no mínimo, uma nota técnica contendo a memória de cálculo e os detalhes das estimativas realizadas.
Afinal, o próprio governo afirmou, nas coletivas de ontem, que esses impactos já estavam computados na nova projeção de receitas líquidas do relatório bimestral de maio, isto é, R$ 2.318,4 bilhões.
De todo modo, para ter claro, não vemos problema iminente quanto ao cumprimento da banda inferior da meta em 2025. A saber, mesmo sem as majorações de alíquotas do IOF, esperamos uma receita líquida de R$ 2.314 bilhões, como se vê, bem próxima do novo número do governo (antes, ele projetava R$ 2.360,1 bilhões).
Temos escrito aos clientes, há um bom tempo, que esse compromisso deve ser cumprido, em que pese sua insuficiência para restabelecer as condições de sustentabilidade da dívida/PIB no curto prazo.
A questão mais importante reside em 2026. Projetamos déficit de 0,8% do PIB. A meta fiscal é um superávit de 0,25% do PIB. Mesmo que se use a banda inferior, essa meta ajustada, digamos, seria equivalente a zero.
Ainda assim, retirando-se os precatórios excedentes ao antigo sublimite, não seria possível atingi-la. Daí a medida do IOF parece ter sido concebida como espécie de salvação da pátria para o ano que vem.
Sobretudo em um momento de pressões por gastos, como reajustes no Bolsa Família e outros, e de pressões do Congresso para desidratar as compensações da reforma do Imposto de Renda, a Fazenda parece, corretamente, preocupada com a evolução da política fiscal até o final do ano que vem.
Se isso é verdade, um conjunto de ações, para além do contingenciamento e do bloqueio de gastos, deveria ter sido pensado, já há algum tempo. Restará, na ausência de medidas mais estruturais, a aposta na arrecadação, que de fato vem se sustentando, neste início de ano, com crescimento real significativo.
Nossa coleta no sistema SIGA-Brasil indica um volume robusto, entre janeiro e abril, de R$ 789 bilhões, superior em 3,3%, em termos reais, ao arrecadado no mesmo período do ano anterior. De todo modo, a desaceleração está contratada, em linha com o menor crescimento esperado para o PIB. Essa é a tendência para o resto do ano e para 2026.
A título de conclusão, o episódio de ontem suscita algumas reflexões.
Em primeiro lugar, o governo mostra-se disposto a tomar medidas apressadas, em meio às dificuldades fiscais e às pressões das alas gastadoras do Congresso e do próprio Executivo.
O segundo ponto é o viés de solucionar a questão fiscal por meio de mais receitas, que segue como tônica do atual governo.
Terceiro, a disposição em contingenciar despesas discricionárias é uma espécie de compromisso mínimo para entrega de uma meta fiscal, o que é positivo, mas insuficiente para conduzir à retomada do equilíbrio fiscal.
A respeito desse último ponto, temos dito, desde o final do ano passado, que o governo não conseguiria escapar de uma contenção expressiva das despesas discricionárias. Chegamos a estimar mais de R$ 35 bilhões. O corte requerido apenas ficou um pouco menor, vale dizer, porque ajustamos nossas projeções de receitas a partir dos dados realizados (1).
A questão é que o contingenciamento robusto, por si só, não altera o padrão atual da política fiscal, que continua a gerar expectativas de crescimento sistemático da dívida/PIB pelos próximos anos.
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(1) Por isso, em notas publicadas dias antes da apresentação do relatório bimestral, falávamos em R$ 25 a R$ 30 bilhões de corte requerido total, apostando que a decisão de maio seria parcial, o que não se confirmou.
Felipe Salto
Economista-chefe da Warren Investimentos
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