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sexta-feira, 23 de maio de 2025

Ajuste no decreto do IOF afasta temor de controle de capitais

Ajuste no decreto do IOF afasta temor de controle de capitais, mas deixa incerteza sobre efeitos fiscais inicialmente pretendidos e sobre a estratégia fiscal até as eleições

 

Felipe Salto, economista Imagem: Arquivo Pessoal

O Ministério da Fazenda fez bem em recuar nos dois tópicos mais polêmicos do decreto presidencial de ontem. Contudo, foram vários os erros cometidos:
 

a) a combinação dos anúncios de uma notícia bastante positiva, a do corte de gastos de R$ 31,3 bilhões, com a divulgação de novas alíquotas do IOF;
 

b) a explicitação de que o Banco Central não havia sido consultado, mesmo havendo evidente necessidade de se debater uma medida com forte impacto na política cambial e na mobilidade de capitais;
 

c) o comprometimento com receitas adicionais vinculadas ao decreto do IOF que, agora, ficam parcialmente prejudicadas;
 

d) a falta de diálogo prévio com os setores afetados para legitimar as medidas anunciadas; e
 

e) a cereja do bolo: o vazamento de parte das informações, que produziu reações negativas no mercado e estimulou a prejudicial especulação em torno do tema.
 

Na prática, o decreto continua bastante abrangente, mesmo depois dos recuos de ontem à noite: a não revogação do dispositivo que trata das remessas de pessoas físicas para investimentos (a alíquota permanecerá em 1,1%) e a retirada da pretendida alíquota de 3,5% para as remessas referentes a fundos no exterior.
 

Nesse sentido, é possível que os efeitos fiscais preconizados, de cerca de R$ 20 bilhões, neste ano, e de mais de R$ 40 bilhões, no ano que vem, sejam preservados. De todo modo, é essencial que a Receita Federal divulgue, no mínimo, uma nota técnica contendo a memória de cálculo e os detalhes das estimativas realizadas.


Afinal, o próprio governo afirmou, nas coletivas de ontem, que esses impactos já estavam computados na nova projeção de receitas líquidas do relatório bimestral de maio, isto é, R$ 2.318,4 bilhões.
 

De todo modo, para ter claro, não vemos problema iminente quanto ao cumprimento da banda inferior da meta em 2025. A saber, mesmo sem as majorações de alíquotas do IOF, esperamos uma receita líquida de R$ 2.314 bilhões, como se vê, bem próxima do novo número do governo (antes, ele projetava R$ 2.360,1 bilhões).

Temos escrito aos clientes, há um bom tempo, que esse compromisso deve ser cumprido, em que pese sua insuficiência para restabelecer as condições de sustentabilidade da dívida/PIB no curto prazo.
 

A questão mais importante reside em 2026. Projetamos déficit de 0,8% do PIB. A meta fiscal é um superávit de 0,25% do PIB. Mesmo que se use a banda inferior, essa meta ajustada, digamos, seria equivalente a zero.

Ainda assim, retirando-se os precatórios excedentes ao antigo sublimite, não seria possível atingi-la. Daí a medida do IOF parece ter sido concebida como espécie de salvação da pátria para o ano que vem.
 

Sobretudo em um momento de pressões por gastos, como reajustes no Bolsa Família e outros, e de pressões do Congresso para desidratar as compensações da reforma do Imposto de Renda, a Fazenda parece, corretamente, preocupada com a evolução da política fiscal até o final do ano que vem.
 

Se isso é verdade, um conjunto de ações, para além do contingenciamento e do bloqueio de gastos, deveria ter sido pensado, já há algum tempo. Restará, na ausência de medidas mais estruturais, a aposta na arrecadação, que de fato vem se sustentando, neste início de ano, com crescimento real significativo.
 

Nossa coleta no sistema SIGA-Brasil indica um volume robusto, entre janeiro e abril, de R$ 789 bilhões, superior em 3,3%, em termos reais, ao arrecadado no mesmo período do ano anterior. De todo modo, a desaceleração está contratada, em linha com o menor crescimento esperado para o PIB. Essa é a tendência para o resto do ano e para 2026.
 

A título de conclusão, o episódio de ontem suscita algumas reflexões.

Em primeiro lugar, o governo mostra-se disposto a tomar medidas apressadas, em meio às dificuldades fiscais e às pressões das alas gastadoras do Congresso e do próprio Executivo.


segundo ponto é o viés de solucionar a questão fiscal por meio de mais receitas, que segue como tônica do atual governo.
 

Terceiro, a disposição em contingenciar despesas discricionárias é uma espécie de compromisso mínimo para entrega de uma meta fiscal, o que é positivo, mas insuficiente para conduzir à retomada do equilíbrio fiscal.
 

A respeito desse último ponto, temos dito, desde o final do ano passado, que o governo não conseguiria escapar de uma contenção expressiva das despesas discricionárias. Chegamos a estimar mais de R$ 35 bilhões. O corte requerido apenas ficou um pouco menor, vale dizer, porque ajustamos nossas projeções de receitas a partir dos dados realizados (1).
 

A questão é que o contingenciamento robusto, por si só, não altera o padrão atual da política fiscal, que continua a gerar expectativas de crescimento sistemático da dívida/PIB pelos próximos anos.

____
(1) Por isso, em notas publicadas dias antes da apresentação do relatório bimestral, falávamos em R$ 25 a R$ 30 bilhões de corte requerido total, apostando que a decisão de maio seria parcial, o que não se confirmou.

 

Felipe Salto

Economista-chefe da Warren Investimentos

 

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