Em pleno século XXI, há um município no coração do Seridó potiguar que parece ter sido deixado à margem do tempo. Jucurutu, com pouco mais de 18 mil habitantes, enfrenta um paradoxo amargo: embora localizada em uma das regiões de maior potencial humano e histórico do Rio Grande do Norte, convive com índices alarmantes de desorganização urbana, retrocesso institucional e fragilidade educacional. Uma das explicações possíveis para esse cenário está no poder político enraizado há décadas na mesma árvore genealógica: a família Queiroz.
No centro dessa árvore está o deputado estadual Nélter Queiroz, nome incontornável da política local desde os anos 1980. Sua liderança, marcada por um estilo populista e clientelista, ainda exerce domínio sobre os rumos da cidade. Mas o que para alguns é sinônimo de influência consolidada, para outros representa um entrave à modernização de Jucurutu — uma liderança que preserva práticas antiquadas em vez de promover a civilidade institucional e o progresso social.
O caos cotidiano e a ausência de ordem pública
Uma rápida visita à cidade revela de imediato a ausência de normas básicas de convivência urbana. O trânsito, por exemplo, funciona à revelia da legislação. Motociclistas circulam livremente sem capacete, ignorando qualquer regra de tráfego. Não é raro encontrar condutores transitando na contramão, ou menores de idade guiando motocicletas sem habilitação. A fiscalização é tímida, quando não omissa. “Se um agente ousar aplicar a lei, logo alguém liga para o deputado”, confidencia um servidor público sob anonimato. A autoridade formal, nesse contexto, é substituída pelo favor político.
A interferência direta ou indireta do poder político no cotidiano compromete a eficácia das instituições e enfraquece a noção de cidadania. O Estado, em sua função reguladora, é substituído por uma rede informal de lealdades e trocas que se perpetua com base na dependência social e na fragilidade educacional.
Cultura do barulho e colapso da convivência social
À noite, o ambiente da cidade é tomado por carros equipados com “paredões” de som — aparelhos potentes que despejam músicas em altíssimo volume, quase sempre com conteúdo explicitamente sexual ou violento. A legislação estadual e federal que regula o volume de som em áreas urbanas é, mais uma vez, ignorada. O espaço público vira território de disputas acústicas e degradação moral.
Moradores relatam noites insones, sensação de insegurança e o crescimento de práticas como prostituição e consumo de drogas em plena via pública. “A cidade está entregue”, lamenta um comerciante do centro, que também preferiu não se identificar.
Educação sucateada e juventude sem horizonte
O reflexo mais devastador do descaso institucional talvez esteja na educação. Escolas mal estruturadas, professores desmotivados e evasão escolar formam um ciclo vicioso que condena gerações. Segundo dados do Censo 2022 do IBGE, a taxa de formalização do trabalho é baixíssima: apenas 15% da população de Jucurutu está formalmente empregada. A renda média é de apenas 1,6 salário mínimo, o que reforça a dependência de programas de transferência de renda.
Atualmente, 3.304 famílias estão cadastradas no Bolsa Família, recebendo um total mensal superior a R$ 2,1 milhões, segundo dados do Governo Federal. Esse volume de repasses, embora essencial para a subsistência de muitas famílias, revela também o grau de vulnerabilidade social do município — agravado por uma ausência quase crônica de investimentos estruturantes.
Um modelo político exaurido
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que a permanência de Nélter Queiroz e seus aliados na política local — há mais de 40 anos — contribuiu para a naturalização da precariedade institucional. O personalismo político suplantou a formação de políticas públicas de longo prazo. As eleições locais seguem marcadas por práticas como o assistencialismo eleitoral e o favorecimento pessoal, o que dificulta a renovação democrática e o surgimento de lideranças comprometidas com uma agenda de desenvolvimento sustentável.
O futuro sequestrado
Jucurutu parece viver um hiato entre o que poderia ser e o que efetivamente é. Apesar de seu potencial — tanto geográfico quanto humano —, permanece presa a um modelo de gestão que privilegia o improviso em detrimento do planejamento, o mandonismo em lugar do diálogo, e o apadrinhamento político no lugar da cidadania plena.
Num tempo em que cidades do interior nordestino avançam com políticas educacionais inovadoras, reordenamento urbano e inclusão digital, Jucurutu continua simbolizando um modelo esgotado. O retrato de uma cidade que, sob a sombra de uma liderança retrógrada, segue ferida por dentro — e esquecida por fora.


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