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segunda-feira, 11 de agosto de 2025

A cada 36 horas, uma pessoa é vítima de violência por defender direitos humanos no Brasil

80,9% dos casos registrados entre 2023 e 2024 foram contra quem atua na defesa ambiental e territorial, segundo a nova edição do levantamento

 

Alberto Lima/Divulgação

Pessoas e coletivos que defendem os direitos humanos continuam sendo alvo de violência e perseguição no Brasil. É o que mostra o estudo Na Linha de Frente — Violência contra Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil (2023–2024), lançado pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos. O estudo mapeou 318 episódios de violência, que resultaram em 486 vítimas — sendo 364 pessoas e 122 coletivos, como comunidades inteiras, movimentos sociais e organizações.

Na série histórica (2019–2024), o país somou 1.657 casos de violência. Entre 2023 e 2024, foram identificados 55 assassinatos, 96 atentados à vida, 175 ameaças e 120 episódios de criminalização apenas nos dois primeiros anos do atual governo. Em muitos ataques coletivos, não foi possível identificar o número exato de pessoas afetadas, o que indica que o número real de vítimas pode ser ainda maior.
 

Mesmo com uma redução no total de casos registrados em 2024 em relação ao ano anterior, a frequência das violações continua alarmante: em média, uma pessoa sofre violência por defender direitos humanos a cada 36 horas no Brasil.
 

“Percebemos na realização desta segunda edição que a violência contra defensoras e defensores persiste. Não basta uma esfera do poder público atuar na defesa dos direitos humanos, no âmbito do executivo federal, por exemplo. O estudo evidencia que há outros atores — públicos e privados — atuando no terreno, como as forças políticas regionais ou locais que se mobilizam para bloquear esses avanços, usando da criminalização via poder judiciário, ou da violência através da pistolagem, das polícias militares ou, o que é novo, a invasão do crime organizado nos territórios.” , falou Darci Frigo, coordenador executivo da Terra de Direitos.
 

O estudo mostra que milícias rurais, o crime organizado e agentes do Estado — como as polícias Militar e Civil — estiveram envolvidos em diversas violações. Em 45 episódios, policiais militares figuram como autores das violências, sendo responsáveis por ao menos cinco assassinatos. A maior parte das vítimas atuava na defesa da terra, território e meio ambiente — tema presente em 87% dos assassinatos. Armas de fogo foram utilizadas em 78,2% desses crimes.
 

Entre os 486 casos de violência mapeados entre 2023 e 2024, 80,9% foram contra quem atua na defesa ambiental e territorial, ou seja, justamente aquelas e aqueles que enfrentam diretamente os impactos da crise climática. Lideranças indígenas, quilombolas e camponesas estão entre os principais alvos.
 

A violência tem raça, gênero e território


Entre os 55 assassinatos registrados no período, 78% das vítimas eram homens cisgênero, 36,4% eram negras e 34,5% indígenas. Apenas 9,1% das pessoas assassinadas eram brancas, o que revela o caráter seletivo, racista e estrutural das violações. A maioria dos crimes ocorreu em áreas rurais e territórios tradicionais, onde as lideranças desafiam interesses de grileiros, fazendeiros e grandes empreendimentos.


As mulheres também seguem sendo alvos. O relatório identificou 12 assassinatos de defensoras de direitos humanos — 10 mulheres cis e 2 mulheres trans. O caso da yalorixá e líder quilombola Mãe Bernadete, assassinada com 25 tiros dentro de casa mesmo sob proteção oficial, evidencia o alto risco enfrentado por mulheres negras, indígenas e LGBTQIAPN+ em posições de liderança política ou espiritual.
 

Pará lidera os casos de violência e é símbolo da contradição brasileira 


estado do Pará lidera o ranking nacional de violência contra defensoras e defensores, com 103 casos registradosDesses, 94% foram contra pessoas que atuam na defesa do meio ambiente e dos territórios — justamente quem luta para preservar a Amazônia.

Esse dado escancara uma contradição: o estado que sediará a COP30, conferência global da ONU sobre o clima em 2025, é também o que mais concentra ataques contra defensores.
 

Criminalização por via institucional e ataques empresariais


Outro fator de preocupação é o crescimento dos ataques por vias institucionais. A criminalização de pessoas e movimentos sociais tem se intensificado, muitas vezes com participação de empresas e autoridades locais. Um exemplo citado na pesquisa é a atuação da mineradora Belo Sun, no Pará, que buscou judicialmente a criminalização de mais de 30 pessoas, entre agricultores, lideranças e movimentos, como forma de pressão e intimidação pelas denúncias realizadas contra a empresa.


Esse tipo de estratégia — conhecida como “litigância predatória” — transforma o sistema de Justiça em instrumento de repressão, esvaziando o direito à resistência e à autodeterminação dos povos.
 

Falta de efetivação da política de proteção


Apesar da reativação de ministérios e conselhos participativos voltados aos direitos humanos , o relatório destaca que a política pública de proteção ainda carece de estrutura, orçamento e efetividade. O Grupo de Trabalho Interministerial Sales Pimenta, criado para construir um plano para orientar a Política Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (PNPDDH), tem papel estratégico nesse processo.


A pesquisa reforça a importância de dar continuidade e celeridade à efetivação do plano enviado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania em dezembro de 2024. A publicação do plano em formato de Decreto está sendo aguardado desde então, ainda sem previsão do governo federal para saída.


“É importante que o Brasil fortaleça a política pública de proteção, institucionalizando um sistema nacional de proteção de defensoras e defensores de direitos humanos e, sobretudo, avance nas investigações e na responsabilização de pessoas que cometem crimes de ameaças, homicídios, atentados, entre outros, enfrentando o grave quadro de impunidade”, afirma Sandra Carvalho, co-fundadora e coordenadora do programa de Proteção de Defensores/as de Direitos Humanos e da Democracia da Justiça Global.
 

Plano nacional e o compromisso com o Acordo de Escazú


Diante do cenário de violência persistente, as organizações recomendam a institucionalização do Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, com ações articuladas entre os poderes da República, estados e municípios.


Além disso, o estudo cobra do governo brasileiro o cumprimento integral do Acordo de Escazú, tratado internacional que trata do acesso à informação, à participação pública e à proteção de defensores ambientais na América Latina e Caribe. O Brasil é signatário do acordo, mas ainda precisa avançar em sua implementação efetiva.

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