Haverá ainda música para adultos? - Blog A CRÍTICA

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sábado, 9 de agosto de 2025

Haverá ainda música para adultos?

Alegoria da Música - Jean Marc Nattier


Dos Beatles para cá — e não digo isto com rancor, mas com a resignação de quem já viu muita onda ir e vir — apenas a juventude parece ter algum valor. Os velhos, coitados, não ousam mais sê-lo; tentam disfarçar o tempo com tinturas, botox e a faca do cirurgião, como quem oculta uma mancha no retrato. É que se tornou vergonhoso envelhecer, e o ridículo já não é o pecado de um excesso, mas o de não parecer jovem o bastante.


A cultura, que um dia foi senhora do baile, cedeu o lugar à moda, essa parente mais fútil e ligeira, que troca de vestido três vezes antes do almoço. Max Weber, no seu Economia e Sociedade, dedicou à moda um único parágrafo — o que, convenhamos, é a medida exata de sua importância estrutural. Mas a internet, sempre tão generosa com as ninharias, multiplicou as modinhas a ponto de nos afogarmos nelas: um corte de cabelo aqui, um “morango do amor” ali, e amanhã… quem se lembrará?


O estudioso da música Manuel Valls Gorina, em seu ¿Qué es la música?, lamenta que, desde que a música passou a ser feita exclusivamente para a juventude — e nem falo aqui da adolescência — perdeu-se a qualidade que outrora a tornava arte e não mero ruído agradável. Antigamente, o ouvinte maduro tinha o direito de esperar, na melodia, alguma gravidade; hoje, se ousa pedi-la, recebe um batuque saltitante e o conselho de “se atualizar”.


Goethe, que via a vida com olhos de vinho e de filosofia, disse que a juventude é uma embriaguez sem vinho. Se a sociedade apenas cultuar a juventude, então estaremos todos bêbados — e, como se sabe, bêbados não constroem catedrais, apenas derrubam cadeiras. Rimbaud, o precoce e turbulento, afirmou que ninguém é sério aos dezessete anos. Pois bem: se prolongarmos indefinidamente essa idade de espírito, teremos uma sociedade que jamais será séria.


Talvez o problema não seja a juventude em si, mas o fato de que, em adorá-la sem freios, vamos deixando a idade adulta sem função, como um velho piano desafinado no canto da sala. E se a música é hoje feita apenas para quem ainda não sabe o que fará da vida, pergunto — e pergunto sem esperança de resposta — haverá ainda música para quem já viveu o bastante para saber?

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