Existe, no mercado das ideias simplórias, uma mercadoria sempre em promoção: a luta contra “o Sistema”. Essa palavra — com maiúscula, naturalmente, como convém a todo fetiche — tem a rara virtude de significar tudo e, portanto, nada. É o grande inimigo invisível, a entidade gasosa contra a qual se pode marchar aos gritos sem jamais se perguntar o que ela é.
Ora, é precisamente por ser um termo vazio que ele enche tanto. O “Sistema” é um espantalho sem palha, mas que atrai multidões famintas de sentido, porque exige pouco raciocínio e oferece muito conforto. Basta proclamar-se contra ele, e já se ganha instantaneamente o título de revolucionário de mesa de bar, de guerreiro digital ou de salvador da pátria em campanha eleitoral.
A verdadeira tragédia, entretanto, não está na inanidade do conceito, mas na covardia intelectual que ele revela. Enquanto filósofos se perderam em labirintos conceituais para definir categorias sociais, enquanto sociólogos criaram classificações com paciência beneditina e enquanto psicólogos e antropólogos exploraram os abismos da mente e da cultura, o militante contra o “Sistema” prefere o atalho: proclama-se anti-tudo. Essa postura, além de preguiçosa, é burra. Sim, burra no sentido técnico do termo: recusa-se ao esforço cognitivo, evita a complexidade, repele a dúvida.
E aqui entra o aspecto mais fascinante da operação. Ao simplificar o mundo em “nós” contra “eles”, a luta contra o Sistema transforma qualquer paspalho em herói. O padeiro ressentido com impostos, o internauta entediado que se acha perseguido pelo globalismo, o eleitor decepcionado que nunca leu sequer a bula de um comprimido mas tem opinião formada sobre economia — todos eles, ao gritar “abaixo o Sistema!”, se sentem súditos de uma épica.
Hitler compreendeu isso com diabólica maestria. Trump, Bolsonaro, Milei e seus congêneres são meros epígonos, repetindo a velha técnica como quem copia uma receita de bolo que sempre dá certo: pegue um inimigo abstrato, dissolva-o em slogans, acrescente um punhado de ressentimento popular e sirva em porções individuais de histeria. O prato, invariavelmente, é indigestão democrática.
Mas há aqui uma ironia final que, se não fosse trágica, seria deliciosa. Ao declarar guerra ao Sistema, o fanático não percebe que o reforça. Afinal, não existe propaganda mais eficaz do que a simplificação. O Sistema — esse, o verdadeiro, o feito de burocracias, mercados, partidos, algoritmos e instituições — adora os tolos que o denunciam. Porque, enquanto eles berram, ninguém lê Weber, Platão, Luhmann ou Freud. Ninguém se detém na complexidade, e o Sistema, sorrateiro, segue funcionando.
Portanto, o Sistema é coisa de burro. Mas é também coisa de esperto. Porque sempre haverá burros para bradar contra ele e sempre haverá espertos para se beneficiar de seu brado.



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