Mesmo sendo o segundo maior exportador de minério de ferro do mundo, o Brasil ainda não consegue transformar esse potencial em liderança na cadeia do aço e no uso de terras raras, fundamentais para a indústria de alta tecnologia
O Brasil encerrou 2024 exportando 377 milhões de toneladas de minério de ferro, consolidando-se como o segundo maior produtor mundial, atrás apenas da Austrália, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) e do US Geological Survey (USGS). A mineração responde por cerca de 4% do PIB brasileiro e o minério de ferro figura como o segundo produto mais exportado do país, perdendo apenas para a soja. Apesar desse peso na balança comercial, o país ainda não consegue transformar esse potencial em liderança na cadeia do aço e em insumos de maior valor agregado, permanecendo dependente de importações estratégicas para sustentar setores como tecnologia, energia renovável e mobilidade elétrica.
Enquanto o minério de ferro sai em navios, em sua maior parte destinado à China, que responde por mais de 60% do consumo global, o Brasil ainda importa produtos de alta complexidade como ímãs de neodímio e componentes de terras raras, essenciais para a indústria moderna. A dependência se mostra preocupante diante de um cenário geopolítico em que a China concentra cerca de 90% da produção mundial de terras raras e controla etapas críticas de beneficiamento, o que lhe garante poder estratégico sobre cadeias globais de tecnologia. “O Brasil é riquíssimo em recursos naturais, mas seguimos como exportadores de commodities. Enquanto isso, importamos ímãs de neodímio e outros insumos estratégicos para sustentar nossa indústria. É uma dependência que fragiliza a competitividade do país em áreas tecnológicas”, afirma Rodolfo Midea, CEO da Fácil Negócio Importação, empresa que lidera a importação de ímãs de neodímio no Brasil.
O paradoxo se repete também no setor do aço. Embora o Brasil figure entre os dez maiores produtores mundiais, com destaque para o aço bruto, ainda não ocupa lugar de relevância na produção de ligas especiais e aços de alta performance, indispensáveis para a indústria automotiva, aeronáutica e de energia. A World Steel Association mostra que, em 2023, a China respondeu por mais de 50% da produção mundial de aço, com forte participação em materiais voltados à inovação tecnológica, enquanto o Brasil manteve seu perfil concentrado em exportação de produtos básicos. Essa lacuna impede o país de capturar parte do valor que gera e transfere às economias que, além de comprar o minério, o transformam em tecnologia de ponta.
A pressão por mudança tende a crescer. A Agência Internacional de Energia (IEA) projeta que a demanda global por minerais críticos, incluindo terras raras, deve dobrar até 2040, impulsionada principalmente pela transição energética e pelo crescimento dos carros elétricos. O mercado de ímãs de neodímio, em particular, deve ultrapassar US$ 3,3 bilhões até 2030, segundo dados da Fortune Business Insights. Esse cenário reforça que não basta ser fornecedor de matéria-prima: os países que agregarem valor terão vantagem competitiva na economia verde e digital. “No ritmo atual, continuaremos assistindo a outros países agregarem valor ao minério que exportamos. O desafio é transformar essa riqueza em inovação local. Precisamos evoluir na cadeia de transformação industrial para que o Brasil não seja apenas fornecedor de matéria-prima, mas também um hub de tecnologia”, defende Midea.
Para especialistas, o caminho passa por políticas industriais mais consistentes, investimentos em pesquisa aplicada e incentivos à produção local de insumos de maior valor. A redução da burocracia e da bitributação na importação de equipamentos estratégicos também aparece como medida urgente, já que a complexidade tributária encarece o processo e desestimula empresas que poderiam investir em inovação no Brasil. O tema também exige maior integração entre governo, indústria e academia, criando um ecossistema que permita ao país avançar além da mineração e da exportação bruta.
A discrepância entre o que o Brasil produz e o que aproveita internamente é, portanto, mais do que uma estatística: trata-se de um entrave estrutural que compromete o protagonismo do país no século XXI. Enquanto seguimos despachando minério em navios, outros países concentram os ganhos de produtividade, inovação e valor agregado. A oportunidade de mudar esse cenário existe, mas exige visão estratégica, planejamento de longo prazo e coragem política para transformar a abundância mineral em motor de desenvolvimento tecnológico e industrial.


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