Especialista em Direito Penal fala sobre como a atitude de ligar para a polícia após cometer os assassinatos pode influenciar na apuração dos fatos e na pena da acusada
Jacqueline Valles, advogada criminalista
O caso de Ana Paula Veloso Fernandes, suspeita de matar pessoas próximas e ligar para a polícia após os delitos, pode demonstrar um desejo de controle e protagonismo sobre a narrativa dos fatos. É o que aponta a advogada criminalista e mestra em Direito Penal Jacqueline Valles. Segundo ela, a apuração de ocorrências como esta precisa considerar não apenas as provas materiais, mas também o perfil e o comportamento da investigada, já que atitudes como a de denunciar seus próprios crimes podem ser muito importantes para orientar a investigação e determinar a sentença.
Ana Paula atraiu a atenção por combinar frieza e um padrão de comportamento. As mortes, registradas entre 2023 e 2024, apresentam características semelhantes, como a ausência de luta, o uso de substâncias de difícil detecção e vítimas que faziam parte do seu círculo pessoal. O estilo na execução das mortes levou os investigadores a traçar um perfil psicológico compatível com o de criminosos em série, especialmente aqueles com traços de personalidade narcisista e necessidade de reconhecimento.
Investigação segue padrões técnicos
Jacqueline Valles explica que investigações desse tipo seguem etapas bem definidas, com foco na vítima e na cena do fato. “Toda vez que há um crime, a investigação tem padrões iniciais, como verificar vestígios na vítima, se ela tinha inimigos ou até um simples desacerto com alguém. Simultaneamente, investiga-se a parte material do crime para saber de onde veio, por exemplo, a faca, as digitais, tudo o que o envolve”, afirma.
Para a especialista, o fato de Ana Paula ter procurado as autoridades pode reforçar a sua ligação com os homicídios, uma vez que aparenta ser alguém que gosta de aparecer, detalhe quase sempre presente no perfil comportamental de um serial killer. “Esse tipo de criminoso gosta de ver a investigação do que ele fez, a situação que causou, as pessoas falando sobre o fato. Isso é um padrão corriqueiro em pessoas que têm esse lado criminoso narcisista, e é óbvio que essa ligação vai acentuar a autoria”, complementa Jacqueline.
Fase investigatória e desafios da defesa
Embora o inquérito ainda esteja em andamento, as evidências reunidas até o momento indicam que o material de acusação é considerado consistente. A defesa alega que Ana Paula não confessou os crimes, apenas descreveu os fatos como se tivesse sido uma testemunha, entretanto, para a especialista, essa linha de argumentação pode não se sustentar juridicamente. “É muito possível que essas alegações não sejam aceitas, porque, nesse momento, a investigação é muito robusta e a acusada demonstra saber vários detalhes sobre os fatos. Toda vez que há uma testemunha que sabe muito sobre o crime, a polícia acende o sinal de alerta e se pergunta como ela sabe tanto”, analisa.
De acordo com a advogada, esse tipo de conduta pode causar implicações diretas no processo, já que o Ministério Público tende a utilizar o comportamento da suspeita como parte do conjunto probatório. Além disso, a construção do perfil psicológico e histórico de vida da acusada deve ser usada para reforçar a tese de autoria.
“A acusação agora vai rastrear toda a vida da Ana Paula para tentar enquadrar seu perfil como criminosa, para justificar e comprovar que seria capaz de cometer tais crimes. Ela tinha modus operandi repetitivos, era fria, calculista, e isso tudo contribui para formar o perfil da autoria definitiva”, explica Jacqueline.
Julgamento e possíveis penas
De acordo com a especialista em Direito Penal, Ana Paula Veloso Fernandes deve ser julgada pelo júri popular, com relação a cada uma das vítimas, e as acusações se basearão em delitos que poderão levar a penas severas. “Todos esses crimes são homicídios qualificados, pelo envenenamento e pelo fato da vítima não ter apresentado nenhum tipo de defesa. É a forma qualificada do artigo 121, parágrafo segundo, que prevê pena de 12 a 30 anos. A cada crime, ela pode pegar até 30 anos e, ao final, o juiz da execução unirá todas as penas”, explica Jacqueline.
O caso segue em fase de investigação, e a polícia ainda trabalha na coleta de provas complementares e perícias. A advogada ressalta que, embora o processo ainda não tenha chegado à etapa de defesa formal, os elementos técnicos e comportamentais já oferecem um panorama complexo para o futuro julgamento.


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