A Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Rio Grande do Norte manteve, por unanimidade, a condenação da Universo Associação dos Aposentados e Pensionistas dos Regimes Geral da Previdência Social por realizar descontos indevidos em benefício previdenciário de um agricultor idoso e analfabeto no município de Caicó (RN). A decisão, relatada pelo juiz João Afonso Morais Pordeus, confirma a sentença de primeira instância que reconheceu a inexistência de relação contratual entre o aposentado e a entidade.
O autor da ação comprovou que jamais se associou à instituição, embora tenha sofrido descontos mensais sob a rubrica “CONTRIB. AAPPS UNIVERSO”. A Justiça determinou o cancelamento dos débitos, a restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente (R$ 883,66) e o pagamento de R$ 3.000,00 de indenização por danos morais.
A Turma Recursal entendeu que a associação não comprovou a regularidade da contratação, mesmo após a inversão do ônus da prova com base no art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O contrato apresentado trazia uma assinatura incompatível com a do agricultor, que é analfabeto e assina apenas com a digital. O documento, além disso, teria sido emitido em localidade diversa da residência do autor.
“A conduta da ré, ao permitir ou efetuar descontos indevidos em verba de natureza alimentar, caracteriza violação à boa-fé objetiva”, destacou o relator, mantendo a sentença pelos próprios fundamentos.
Escândalo dos descontos indevidos no INSS
A decisão se insere em um contexto nacional de escândalo envolvendo descontos ilegais em aposentadorias e pensões, que atinge milhares de beneficiários do INSS em todo o país. O próprio Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) reconheceu o problema e iniciou o pagamento de ressarcimentos a mais de 2 milhões de aposentados e pensionistas, vítimas de cobranças indevidas por entidades sindicais, clubes de benefícios e associações sem vínculo real com os segurados.
No Rio Grande do Norte, segundo dados do governo federal, mais de R$ 71 milhões já foram devolvidos a 105 mil beneficiários. Em muitos casos, como o de Francisco Medeiros Neto, as vítimas são pessoas idosas, analfabetas ou residentes em áreas rurais, especialmente vulneráveis a práticas abusivas e fraudes contratuais.
Essas entidades, que deveriam atuar em defesa dos aposentados, frequentemente se valem de cadastros indevidos, assinaturas falsificadas e convênios com o INSS para efetuar débitos automáticos, comprometendo a renda mínima de pessoas que vivem exclusivamente de seus benefícios previdenciários.
Proteção dos aposentados e responsabilidade das entidades
Para o advogado Luiz Rodrigues, que atua em ações semelhantes, a decisão do Juizado Especial de Caicó reforça a necessidade de responsabilização civil e moral dessas instituições, bem como de maior vigilância do poder público.
“Essas decisões têm um papel pedagógico fundamental. Elas mostram que a Justiça está disposta a proteger o aposentado, o pequeno agricultor, o idoso que depende de cada centavo de seu benefício. É um passo essencial para coibir práticas que já configuram um verdadeiro escândalo nacional”, afirmou o advogado.
Ele também destaca que o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso devem ser interpretados conjuntamente para garantir proteção integral aos aposentados, que constituem um dos grupos mais vulneráveis nas relações de consumo.
A manutenção da condenação pela Turma Recursal, ao reconhecer o dano moral e a restituição em dobro dos valores, reafirma o compromisso do Judiciário com a dignidade da pessoa humana e a boa-fé nas relações contratuais, ao mesmo tempo em que reforça a importância de uma atuação institucional mais firme contra as associações e empresas que lucram indevidamente sobre os benefícios previdenciários dos idosos brasileiros.
Processo: 0801354-47.2025.8.20.5101


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