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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Quando o conflito dos pais vira dor para os filhos: como reconhecer e agir diante da alienação parental

Especialistas explicam como falas, atitudes e disputas de adultos impactam a saúde emocional da criança, e quais medidas legais protegem o vínculo familiar



Separações marcadas por acusações, afastamentos forçados e desqualificações têm colocado crianças no centro de disputas que pertencem aos adultos. A alienação parental, definida por lei, provoca danos que vão de regressões emocionais a ruptura de vínculos afetivos, e exige ação rápida dos responsáveis e da Justiça, afirmam especialistas. 

Segundo a advogada Michele Gheno Pacheco, com foco em Direito de Família, o tema exige tratamento com a mesma seriedade dada a outras formas de violência. “A alienação parental é uma agressão invisível. Ela destrói vínculos, compromete a saúde mental e deixa marcas que acompanham a criança até a vida adulta”, afirma.

A Lei 12.318/2010 caracteriza como alienação parental qualquer ato que prejudique a convivência da criança com um dos genitores, que vão desde a dificuldade deliberada de contato, a omissão de informações relevantes, falsas acusações até a indução de sentimentos negativos contra o outro responsável. “Quando o afeto vira instrumento de disputa, a criança se torna vítima de um conflito que não é dela”, comenta.

A distinção entre alienação parental e síndrome da alienação parental é fundamental. “A alienação refere-se a conduta praticada por um dos genitores, enquanto a síndrome corresponde ao conjunto de efeitos emocionais e comportamentais produzidos na criança em razão dessa conduta. Quanto mais prolongado o conflito, mais intensas e duradouras  tendem a ser essas repercussões”, acrescenta Michele.

Nas ações judiciais, prevalece o princípio do melhor interesse da criança. A legislação admite medidas como advertência, acompanhamento psicológico, alteração de guarda e, em situações graves, a suspensão da autoridade parental. “O fator tempo é determinante: meses de afastamento decorrentes de práticas de alienação podem consolidar danos emocionais significativos. Por isso, a resposta judicial deve ser célere e amparada por equipes técnicas, como psicólogos e assistentes sociais”, orienta a advogada.

Impacto emocional da criança em cenários de conflito

Segundo a Prof.ª Dra. Rafaela Schiavo, psicóloga perinatal e fundadora do Instituto MaterOnline, conflitos constantes entre os pais – mesmo quando não há discussões diretas – criam um ambiente emocional instável para a criança. Quando ela é exposta a falas que desqualificam um dos genitores ou é colocada na posição de “escolher um lado”, passa a lidar com sentimentos que não são dela.

“A criança passa a lidar com sentimentos que não pertencem a ela. O afastamento forçado, a desqualificação de um dos genitores ou comentários que colocam a criança para escolher um lado geram confusão, insegurança e medo. Para a infância, isso é vivido como uma ruptura no vínculo e pode impactar a autoestima e a forma como ela entende o próprio valor”, afirma.

De acordo com a psicóloga, os sinais de alerta geralmente aparecem no comportamento. “Aparecem quando há mudanças bruscas, como regressões, irritabilidade, tristeza persistente, recusa em conviver com um dos pais ou falas que não combinam com a idade, como ‘ele não me ama’ ou ‘ela não liga para mim’. Nada disso nasce espontaneamente. A criança repete o clima emocional da casa. Proteger o vínculo é fundamental, por isso, explicar o que está acontecendo, manter a rotina e assegurar que ela é amada pelos dois lados ajuda a reduzir os danos”, diz.

Como proteger a criança durante conflitos familiares

A psicóloga destaca que algumas ações dos responsáveis ajudam a minimizar os efeitos emocionais que a criança absorve durante os conflitos.

  • Evitar desqualificar o outro genitor na frente da criança. Mesmo comentários sutis são absorvidos como rejeição ou culpa.
  • Não transformar a criança em mensageira. Pedir que ela transmita recados ou questione o outro genitor a coloca em lugar de mediação.
  • Manter rotina e previsibilidade. Crianças precisam de ritmo, estabilidade e consistência.
  • Explicar o que está acontecendo de forma simples e não acusatória. Sem sobrecarga emocional e sem colocar a responsabilidade nela.
  • Garantir que ela se sinta amada pelos dois lados. Isso reduz a ansiedade e evita que ela interprete o conflito como falha pessoal.
  • Buscar apoio psicológico quando houver sinais persistentes. Tristeza prolongada, regressões, medo, ansiedade ou falas adultizadas precisam de atenção.

Para Rafaela, o foco deve estar em impedir que a criança absorva tensões que pertencem aos adultos. Ela reforça que a responsabilidade do cuidado emocional é dos cuidadores, e não da criança, que precisa de segurança, estabilidade e liberdade para manter vínculos saudáveis com ambos os pais.

Quando alguém identifica sinais de alienação parental, como recusa persistente da criança em ver o outro genitor ou persistente campanha negativa, o primeiro passo é reunir provas (mensagens, testemunhos, registros de visitas) e buscar orientação jurídica especializada. Em muitos casos, o ingresso de medida judicial de urgência pode garantir que a criança não continue sofrendo danos enquanto o processo tramita.

Qualquer pessoa com legitimidade, pai ou mãe, avó, tutor ou mesmo o Ministério Público, pode denunciar a prática de alienação parental. A petição poderá ser apresentada em ação autônoma ou incidental, junto à Vara de Família. O Conselho Tutelar também pode atuar como instância inicial de proteção e recomendação de medidas.

Para comprovar a alienação, o juiz frequentemente determina a realização de perícia psicológica ou biopsicossocial, com entrevista da criança e análise do contexto familiar. A Lei permite que, tendo comprovada a alienação, sejam aplicadas sanções como advertência, multa, ampliação do convívio em favor do genitor alienado, ou até mudança de guarda.

O genitor que pratica alienação pode enfrentar consequências sérias: perda ou inversão da guarda, fixação cautelar de domicílio da criança, acompanhamento psicológico obrigatório. Além disso, há possibilidade de responsabilização civil ou penal, na dependência do caso. “A prática não é mera disputa; pode configurar abuso psicológico com efeitos duradouros”, enfatiza Michele.

Enquanto o litígio se desenrola, a prioridade é preservar a rotina, o vínculo e a saúde emocional da criança. Postergar cuidados ou esperar por solução prolongada pode agravar o dano. Por isso, mecanismos como mediação familiar e oficinas de parentalidade, ofertados por tribunais, têm papel relevante na prevenção e recuperação dos vínculos. “Esses espaços ajudam os pais a dimensionar as consequências de suas condutas e a reabrir canais de diálogo. Com orientação, os filhos deixam de ocupar o lugar de instrumento do litígio e voltam ao centro das decisões”, afirma a advogada.

Além do dano emocional, a alienação implica custos sociais, como terapias prolongadas, dificuldades escolares, isolamento social e impacto para a vida adulta. “O problema não é privado. Tem dimensão social. Quando uma criança cresce ferida emocionalmente, o efeito alcança a comunidade”, observa Michele.

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