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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Seres humanos evoluíram para a natureza, não para as cidades

Cientistas afirmam que a vida moderna ultrapassou a evolução humana

Daniel Longman e Colin Shaw estudam os efeitos do meio ambiente na saúde das pessoas. Imagem: Thousand Year Trust


A vida moderna pode ter avançado mais rápido do que a própria evolução humana é capaz de acompanhar. Essa é a conclusão provocativa de dois antropólogos evolucionistas — Colin Shaw, da Universidade de Zurique, e Daniel Longman, da Universidade de Loughborough — que propõem que grande parte do estresse crônico e dos problemas de saúde comuns hoje decorre de um descompasso entre nossa biologia ancestral e os ambientes altamente urbanizados em que vivemos.


A tese, apresentada no artigo “Homo sapiens, industrialisation and the environmental mismatch hypothesis”, publicado na revista Biological Reviews, sustenta que o Homo sapiens foi moldado pela natureza, não pela vida urbana. E que as profundas transformações dos últimos séculos criaram ambientes para os quais nossos corpos simplesmente não foram projetados.


Uma história evolutiva escrita na savana


Durante centenas de milhares de anos, nossos ancestrais viveram como caçadores-coletores. Era uma existência marcada por grande mobilidade, contato constante com o ambiente natural e, acima de tudo, estresse agudo e intermitente — aquele que dura minutos ou horas, e não semanas ou meses.


“Em nossos ambientes ancestrais, éramos bem adaptados para lidar com o estresse agudo, seja para escapar ou confrontar predadores”, explica Colin Shaw. “O leão aparecia de vez em quando, e você tinha que estar pronto para se defender — ou fugir. O importante é que o leão vá embora.”


A fisiologia humana evoluiu exatamente para isso: picos de alerta seguidos de longos períodos de recuperação. Nunca para um estado permanente de tensão.


O mundo mudou — o corpo não


A industrialização, há cerca de dois séculos, alterou de forma abrupta e profunda as condições em que vivemos. Em poucas gerações, os seres humanos passaram a enfrentar fatores completamente novos: poluição atmosférica e sonora, luminosidade artificial, dietas ultraprocessadas, sedentarismo, sobrecarga cognitiva, estímulos digitais incessantes e uma rotina urbana que raramente permite descanso mental.


Segundo os pesquisadores, o resultado é que nossos sistemas biológicos passam a reagir a estímulos cotidianos como se fossem ameaças existenciais.


“Nosso corpo reage como se todos esses fatores de estresse fossem leões,” afirma Daniel Longman. “Seja uma conversa difícil com seu chefe ou o barulho do trânsito, seu sistema de resposta ao estresse continua funcionando como se você estivesse enfrentando um leão atrás do outro. Você tem uma reação fisiológica muito forte — mas nenhuma recuperação.”


O custo biológico da vida moderna


A ativação contínua do sistema de estresse está associada a uma série de efeitos negativos já bem documentados:


  • desequilíbrios hormonais;

  • problemas cardiovasculares;

  • inflamação crônica;

  • queda de fertilidade;

  • prejuízos cognitivos;

  • distúrbios do sono;

  • maior susceptibilidade a doenças.


Para Longman e Shaw, isso é um claro sinal de desajuste evolutivo. A velocidade da mudança ambiental superou em muito a capacidade adaptativa da espécie — que evolui num ritmo muito mais lento, ao longo de milhares de anos.


Um alerta para o futuro das cidades — e da própria espécie


A hipótese levantada pelos pesquisadores sugere que a humanidade precisará repensar o modo como estrutura seus ambientes urbanos. Não apenas para melhorar o bem-estar, mas como uma questão de saúde pública e, a longo prazo, de sobrevivência evolutiva.


Se queremos prosperar, afirmam os autores, será necessário reaproximar o ser humano da natureza: mais áreas verdes, menos estímulos artificiais, ambientes que respeitem nossos ritmos biológicos e reduzam a carga de estresse constante.





Referência do estudo


  • Longman, D. P., & Shaw, C. N. (2025). Homo sapiens, industrialisation and the environmental mismatch hypothesis. Biological Reviews. DOI: 10.1111/brv.70094 
  • O artigo é uma revisão (“review"), ou seja: os autores combinam evidências — de observações, experimentos e dados epidemiológicos — para avaliar como as mudanças ambientais nas últimas décadas/séculos podem entrar em conflito com nossa biologia evolutiva.

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