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sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Tunísia: Rebelião popular contra o Governo

Depois do assassinato de Mohamed Brahmi e seis meses após o de Chokri Belaid, e desde o dia 27 de julho, uma concentração de milhares de pessoas reclama em frente à sede da Assembleia Nacional Constituinte a sua dissolução e a do executivo do partido Ennadha. A concentração exige ainda a criação de um governo de salvação nacional e viu-se reforçada por uma enorme marcha na noite de 6 de agosto. Por Gladys Martínez López.
Concentração em frente à Assembleia Nacional Constituinte em Tunes, na noite de 6 de agosto de 2013 – foto @MajdiKhan retirada de diagonalperiodico.net

Cerca de 150.000 pessoas bloquearam, na noite do 6 de agosto, a capital tunisina com várias marchas que se dirigiram para a sede da Assembleia Nacional Constituinte, onde permanecem acampadas milhares de pessoas desde há uma semana. A manifestação, que reclama a dissolução do Governo e da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), a formação de um governo de salvação nacional e a redação da Constituição por um comité de especialistas, acontece exatamente seis meses depois do assassinato de Chokri Belaid, opositor da coligação de esquerda Frente Popular, e menos de duas semanas após o assassinato Mohamed Brahmi, da mesma formação. Lemas da revolução como “o povo quer que caia o regime” repetiram-se ao longo da manifestação, que continuava a transbordar a praça da ANC à entrada da madrugada.
A crise política, institucional, social, económica e de segurança na Tunísia vive uma escalada sem fim, seis meses após o assassinato a tiro de Chokri Belaid, no passado dia 6 de fevereiro. Com uma situação de permanente crise política que dura há mais de um ano e com a legitimidade do Governo tripartido, dirigido pelo partido islamista Ennadha, cada vez mais minada, a 25 de julho, dia do 56º aniversário da República, um novo crime político veio dar outro golpe na cada vez mais frágil transição tunisina. O deputado da esquerda Mohamed Brahmi morria após sofrer 14 disparos em plena rua.
Em resposta ao crime, depois de uma massiva greve geral convocada pela central sindical maioritária UGTT, dezenas de milhares de pessoas decidiram fazer uma concentração permanente no bairro do Bardo, em frente à sede da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), pedindo a dissolução do Governo e da ANC, que está com quase um ano de atraso na redação da Constituição. Cerca de 70 deputados da oposição, dos 216 eleitos, suspenderam indefinidamente a sua participação na ANC e uniram-se aos manifestantes concentrados, enquanto o Ennadha se agarra à “legitimidade das urnas” e no sábado dia 3 fez uma demonstração de força com uma manifestação de dezenas de milhares de pessoas em frente à Qasbah.
Entretanto a 3 de julho, foi lançado na Tunísia o Tamarrod (rebelião), um movimento que pretende igualar o movimento que impulsionou as mobilizações no Egito que levaram ao derrube de Morsi pelo Exército. O Tamarrod anunciou ter recolhido, em apenas um mês, 1,3 milhões de assinaturas que reclamam também a dissolução do Governo e da ANC. Tanto a oposição de esquerda como a de direita parecem ter cerrado fileiras em torno desta opção, ainda que a central sindical UGTT, um dos atores políticos de maior peso no país, tenha renunciado de momento, juntamente com outros coletivos, a pedir a dissolução da Assembleia. Deu, no entanto, um ultimato ao Governo para que se dissolva e que se crie um de governo de unidade no prazo de sete dias, e apelou também à participação massiva na manifestação do dia 6.
Acampada em frente da Assembleia Constituinte
Pouco antes da manifestação começar, Mustafa Ben Jaafar, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, membro do partido laico Ettakatol, que participa no governo da troika1 juntamente com o Ennadha, anunciou a suspensão das sessões da Assembleia até que se inicie um diálogo entre Governo e oposição e fez um apelo à participação de todos os partidos. Entretanto, desconhece-se qual será o alcance das mobilizações e se os manifestantes e acampados permanecerão na praça indefinidamente. “Há que fazer cair o Governo e a Assembleia, ainda que não saibamos para onde vamos”, explica-nos um ativista, que assegura que “as pessoas estão a perder o medo a um vazio de poder porque este já existe”. Até agora, o Ennadha negou-se a fazer qualquer tipo de concessão neste sentido, ainda que nos últimos dias tenha prometido acabar a Carta Magna em duas semanas e realizar eleições a 17 de dezembro, no aniversário da imolação de Mohamed Bouazizi que deu início à revolução contra Ben Ali. Mas a suspensão das sessões da Constituinte e a pressão popular na rua parecem desenhar um panorama distinto.
A população parece farta do impasse político e de uma crise institucional, que se prolongam há demasiado tempo, juntamente com uma deterioração incessante da situação económica e de grandes passos atrás em matéria de segurança. A oposição acusa o Governo de não ter feito nada para descobrir os culpados do crime de Belaid, além de lhe atribuir a responsabilidade política pelos assassinatos por ter deixado atuar impunemente, durante demasiado tempo, os grupúsculos salafistas violentos, e inclusive de os ter tratado com condescendência. A situação agravou-se a 29 de julho com o assassinato de oito soldados às mãos de um grupo jihadista no monte Chaambi, próximo da fronteira com a Argélia, e com várias ameaças de atentados à bomba. Nos últimos dias registaram-se confrontos entre a polícia e jihadistas, com pelo menos um morto, para além de outro elemento que terá falecido enquanto manipulava uma bomba de fabricação caseira. Na manhã do dia 6, o Governo anunciou a detenção de 46 supostos terroristas.
“O Governo encontra-se numa situação de bloqueio total. Não sabem o que fazer e decretaram três dias de férias para os empregados públicos" pelo fim do Ramadão, explica o arabista Farouk Jhinaoui, que acrescenta que “se há grandes manifestações, isto dará força à oposição, mas terá que esperar para ver qual é a postura da central sindical”. À espera de acontecimentos nos próximos dias, as últimas sondagens revelam o crescente descontentamento popular. Segundo uma sondagem realizada no final de julho, apenas no último mês o partido Ennadha caiu sete pontos nas intenções de voto, para 13%, enquanto há dois anos foi eleito com mais de 40% dos sufrágios, e a satisfação com o Governo da troika caiu 11 pontos para 28%.
Artigo de Gladys Martínez López, publicado no site espanhol diagonalperiodico.net

1 Governo da Troika, atual governo da Tunísia de coligação de três partidos:Enahdha, Congresso para a República e Ettakatol.

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