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sexta-feira, 4 de abril de 2014

Quem lucra com o aquecimento global?

O novo livro "Windfall", do jornalista Mckenzie Funk, explica como a catástrofe climática "não será uma catástrofe para todos", e mostra como há quem lucre, e muito, com as alterações climáticas no planeta, enquanto aumenta o número de refugiados do clima. Artigo de Bary Olson, publicado no portal Outras Palavras.


Capa do livro "Windfall", de Mckenzie Funk.
Uma manchete recente da Agência Bloomberg alerta: “Lucre com o Aquecimento Global ou fique para trás”. No seu novo livro, Windfall[“Sorte Grande”, ou “Vento a Favor”, em tradução livre] (Nova York, Penguim, 2014), o jornalista veterano Mckenzie Funk relata como viajou pelo mundo por seis anos, para traçar o perfil das “centenas de pessoas que perceberam que as alterações climáticas iriam enriquecê-las”.
Numa investigação à parte, Funk realça que “em Wall Street, já não há um grande número de pessoas que neguem as alterações climáticas”. Quase sempre indiferentes às causas do fenómeno, os seus entrevistados tomaram a decisão de não investir em tecnologias limpas, por verem em tal gesto perda de dinheiro. Em vez disso, “quanto mais aquecido o mundo, quanto menos habitável ele se tornar, mais forte o vento a favor”…
Em 2008, a Shell desenvolveu dois cenários sofisticados de riscos relacionados ao clima. Denominou-os Blueprints [“Perspectivas”] eScramble [“Escalada Acidentada”]. O primeiro projetava um futuro mais limpo, ao passo que o segundo previa – devido a paralisia dos governos – um futuro de secas, inundações, ondas de calor e supertempestades. Por volta de 2012, os executivos da empresa confidenciaram a Funk: “Entramos no cenárioscramble. É este o tipo de mundo em que viveremos. É ele que nos orienta”. Outro executivo da Shell afirmou: “Serei um dos que brindará a chegada de um verão sem fim no Alaska”…
A mensagem do autor é que, no curto prazo, haverá vencedores e perdedores definitivos, porque a catástrofe ecológica “não é, necessariamente, uma catástrofe financeira para todos”. E enquanto os leitores deste site poderão evitar, por algum tempo, as piores consequências do aquecimento global, um bilhão de outros seres humanos não serão poupados.
Neste período de transição, a frase “uma maré em alta levanta todos os barcos” será mais que uma metáfora:
> Muitas pessoas veem a água como uma necessidade e um direito humano básico. Mas os consultores de investimentos e seus bem-aventurados clientes enxergam o recurso como “ouro azul”, ou “o petróleo do novo século”, cujo valor como ativo irá superar todas as outras commodities físicas. O dinheiro está a correr para o “hidrocomércio”, inclusive para os fundos financeiros que negociam “direitos sobre a água” e “ativos de água”.
> A Arcadis, uma empresa holandesa de engenharia que oferece proteção contra enchentes afirma que a sua faturação cresceu 26% em 2013. Por 8 mil milhões de dólares, eles prometem murar Manhattan de um furacão como o Sandy.
> Os bombeiros privados da seguradora AIG estão a postos para proteger as propriedades dos ricos, nos subúrbios de Los Angeles, com novíssimas tecnologias. Enquanto isso, os cidadãos menos abonados verão as suas casas reduzidas a cinzas.
> Barney Schaulbe, executivo da Nephia, um enorme fundo de hedge, está convencido de que “um clima mais volátil provoca mais riscos e mais apetites para proteção contra os ricos”. Daí vem, ele explica, a introdução de algo chamado “derivativos do clima”.
> Um investidor com base em Londres está a colocar dinheiro em propriedades rurais na Rússia e em redes globais de supermercado porque as secas, incêndios, desertificação e enchentes relacionadas às alterações climáticas irão afetar negativamente as colheitas. E, como diz outro analista, “as pessoas sempre estarão dispostas a pagar para comer”.
> Um gestor de fundos, interessado em empresas de seguros, disse a Funk, confiante, que as enchentes causadas pelas alterações climáticas tornarão este tipo de proteção mais caro. Por isso, “a estação de furacões é, de facto, algo muito positivo”.
> Embora o facto não seja mencionado no livro, o senador norte-americano James Inhofe, do Partido Republicano, quer direcionar ainda mais dinheiro para Wall Street, através de “contas de socorro a desastres”. Graças a delas, famílias ricas poderão receber até 5 mil dólares de redução de impostos, para investir na mitigação de eventos climáticos extremos. Ampliando os limites de sua audácia política, Inhofe escreveu há pouco O grande boato, um livro segundo o qual o aquecimento global é uma conspiração gigante, criada para estimular as regulações estatais.
> Um mundo mais aquecido significa a expansão de doenças como a dengue, para além das zonas tropicais. A solução? A empresa britânica Oxitec prevê que um remédio patenteado, para conter a doença transmitida pelo mosquito, é uma máquina segura de fazer dinheiro.
> A elevação do nível dos mares faz do Bangladesh uma espécie de “marco zero” para as alterações climáticas. A resposta da Índia é uma barreira elétrica de 3300 quilómetros, a “cerca da vergonha”, erguida para impedir que cerca de 25 milhões de refugiados climáticos de Bangladesh cruzem a fronteira, quando um quinto de seu país ficar sob as águas.
> Prevejo que Centros de Finanças Ambientais, de nível académico, revejam o enforque atual, ligado à proteção ambiental, para posicionar vantajosamente estudantes dispostos a enxergar as vantagens da crescente crise ecológica.
Curiosamente, Funk procura não julgar as pessoas que entrevista. Prefere vê-las como gente de bem, “em sintonia com seu próprio sistema de crenças”, que agem para preservar seu auto-interesse. Ele concede: “Não podemos esperar que o capitalismo reveja nada disso”. Mas afirma que “não há nada de fundamentalmente errado em tirar proveito do desastre" e lamenta que os leitores possam, de modo injusto, transformar os homens de negócio em vilões.
Num sentido estrito, ele está correto. A responsabilidade essencial é do sistema e de sua lógica interna fatalmente fracassada. Qualquer executivo-chefe que introduzisse em suas decisões considerações sobre justiça climática seria rapidamente substituído por alguém mais em sintonia com a pressão para produzir sempre por menos.
Num artigo anterior, caracterizei muitos dos que estão verdadeiramente preocupados como o futuro do planeta como “negacionistas do capitalismo”. Eles ainda não estão dispostos a perceber que a responsabilidade pela degradação ambiental repousa no nosso sistema de crescimento e lucro a qualquer custo. Os defensores do sistema existem dentro e fora dos Estados e nunca serão a solução.
Todos os outros podemos chegar às conclusões óbvias e agir de acordo com elas, dentro da limitada e frágil janela de tempo que ainda existe.


Por Bary Olson, no Common Dreams | Tradução: Antonio Martins. Publicado no portal Outras Palavras

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