“We should leave oil before it leaves us”(Devemos deixar o petróleo antes que ele nos deixe)Faith Birol (Chief economist of the IEA)
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A humanidade está em uma encruzilhada, pois necessita cada vez mais de energia para tocar sua incessante máquina de produção, transporte e consumo, mas caso utilize todas as reservas de combustíveis fósseis conhecidas e com viabilidade econômica vai emitir mais gases de efeito estufa (GEE) e provocar um aquecimento global acima dos 2º graus em relação ao período pré-industrial, limite considerado minimamente seguro.
Contudo, se não forem executadas ações urgentes para reduzir as emissões, o mundo pode experimentar um catastrófico aumento de 4°C na temperatura até o final do século, aumentando a cada dia a possibilidade de efeitos climáticos extremos, como secas, tufões, inundações, ciclones e outros eventos desastrosos para as pessoas, a economia e o meio ambiente.
Trabalho recente dos pesquisadores Christophe McGlade e Paul Ekins publicado na revista Nature (janeiro de 2015), estima que, para ter pelo menos uma chance de 50% de manter o aquecimento global abaixo de 2° C durante todo o século XXI, as emissões de carbono acumuladas entre 2011 e 2050 deve ser limitada a cerca de 1.100 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO2 Gt). No entanto, o potencial das emissões de gases GEE contidos nas reservas de combustíveis fósseis são cerca de três vezes maiores.
Os resultados dos modelos aplicados no estudo sugerem que um terço das reservas de petróleo globais, a metade das reservas de gás e mais de 80 por cento das reservas atuais de carvão deve permanecer não utilizadas entre 2010-2050, a fim de atingir a meta de 2° C. Isto quer dizer que os esforços dos governos e das empresas para explorar rápida e completamente os combustíveis fósseis são incompatíveis com os compromissos assumidos nas Conferências do Clima. Se os acordos climáticos forem respeitados, tornaria desnecessários os investimentos na descoberta e exploração dos combustíveis fósseis, pois quaisquer novas descobertas não poderia levar a um aumento da produção agregada, a não ser provocando uma catástrofe climática (Monbiot, 2015)
Grandes empresas de combustíveis fósseis podem ter um enorme prejuízo caso avancem as negociações para a Conferência de Paris (COP21), no final de 2015. Se as nações do mundo mantiverem o compromisso de combater a mudança climática, as perspectivas são sombrias especialmente para o carvão, o mais poluente dos combustíveis fósseis. Em 2013, as empresas de combustível fóssil gastaram cerca de US$ 670 bilhões na exploração de novos recursos de petróleo e gás. O paper publicado na Nature questiona por que eles estão fazendo isso, quando há mais no chão do que se pode dar ao luxo de queimar. As areias betuminosas do Canadá, por exemplo, simplesmente não devem se retiradas do chão.
Para evitar a “bolha de carbono” existe um movimento pelo desinvestimento em companhias de combustíveis fósseis. Por exemplo, trezentos professores de Stanford, incluindo prêmios Nobel, estão pedindo que a universidade se livre de todos os investimentos de combustíveis fósseis, em um sinal de que o movimento pelo desinvestimento está ganhando força. Em uma carta ao presidente da Stanford, John Hennessy, os membros do corpo docente pedem a universidade para que reconheça a urgência da mudança climática e abandone os investimentos nas companhias de petróleo, carvão e gás.
Mas as emissões de GGE não se restringem à área de energia. Antes da Revolução Industrial a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera não ultrapassava 280 ppm (partes por milhão), mas atualmente ultrapassaram as 400 ppm. Todavia, o problema vai além da queima de CO2. O óxido nitroso (N2O) e o metano são gases mais potentes. De acordo com o Relatório da Convenção sobre Mudanças Climáticas, o N2O tem cerca de 300 vezes mais potencial para causar o aquecimento global do que o CO2, enquanto que o metano é em torno de 20 vezes mais forte.
A ativista ambientalista indiana, Vandana Shiva (07/01/2015), mostra que as emissões de óxido nitroso e de metano aumentaram dramaticamente devido à agricultura industrial. O óxido nitroso é emitido através do uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos e o metano é emitido a partir das atividades pecuárias que produzem leite, carne e ovos. A Conferência da Organização das Nações Unidas de Leipzig sobre os Recursos Fitogenéticos, em 1995, avaliou que 75 por cento da biodiversidade do mundo havia desaparecido na agricultura devido à chamada Revolução Verde e ao advento da agricultura industrial. O desaparecimento de polinizadores e organismos benéficos ao solo é outra dimensão da erosão da biodiversidade devido à agricultura industrial.
Estas são lições que os estudos internacionais mostram e a ciência tem um grau de certeza cada vez maior. Aliás, o ano de 2014 registrou o recorde de temperatura e as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro vão enfrentar grande escassez de água potável em 2015.
Infelizmente, o governo brasileira está caminhando na direção contrária à proposta pelos cientistas e pelos defensores do meio ambiente. Além de ter jogado todas as fichas no pré-sal e aumentado o consumo de combustíveis fósseis, há retrocessos no controle do desmatamento e recuos nas perspectivas da Política Nacional de Mudanças Climáticas. De acordo com Daniela Chiaretti, no jornal Valor Econômico, a presidenta Dilma Rousseff, no discurso de posse, de cunho conservador na área ambiental: “fez menção anódina à participação do Brasil no acordo climático”.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação é chave na política climática brasileira. Por isto Chiaretti diz: “Mas a mais desalentadora mensagem de Dilma no tópico mudança do clima veio com a escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo. É notório o ceticismo do político do PC do B e ex-ministro dos Esportes ao fato de o aquecimento da temperatura ser agravado pelas emissões de gases-estufa antrópicas, ou seja, provocadas por atividades humanas. Em 2010, em meio aos debates do Código Florestal, Rebelo envolveu-se em polêmica com o sócio-fundador do Instituto Socioambiental, Marcio Santili. O então deputado respondeu às críticas do indigenista na carta que batizou de ‘A Trapaça Ambiental’. Afirmou que a ‘teoria do aquecimento global’ seria uma ‘doutrina de fé incompatível com o conhecimento contemporâneo’ e seguiu dizendo que ‘não há comprovação científica das projeções do aquecimento global, e muito menos de que ele ocorreria por ação do homem e não por causa de fenômenos da natureza’”.
Já Washington Novaes, no Estadão de 09/01/2015, chama atenção para outro retrocesso: “Não espanta que a nova composição do governo federal e de seus mais altos escalões tenha sido fruto não de novos planejamentos para resolver graves questões que o País enfrenta, e sim da necessidade de atender às reivindicações fisiológicas dos partidos que compuseram a aliança vitoriosa. Mas as notícias mais recentes na área ainda são surpreendentes – talvez até para parte dos membros da coligação”.
Depois de repetir as críticas ao ministro Aldo Rebelo, Novaes continua: “Pode-se passar a outro capítulo, aberto pela nova ministra da Agricultura, Kátia Abreu, para quem ‘latifúndio não existe mais no Brasil’ (Folha de S.Paulo, 5/1). Ela também defende a proposta de emenda constitucional que retira do Executivo poderes para demarcar áreas indígenas e os transfere para o Congresso Nacional. Reconhece até que ‘o Brasil inteiro era deles’ (dos índios) – mas daí a assegurar-lhes certas áreas, pensa a ministra, vai muita distância. Porque ‘os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção’. Que lhe importam os direitos originários, ou o fato de que ainda existam no País mais de 900 mil desses antigos donos de todo o território, distribuídos por 305 povos, falando 274 línguas – com uma riqueza cultural extraordinária, até vivência de utopias?”
O exemplo brasileiro serve para mostrar como vai ser difícil colocar em prática acordos para reduzir a emissão de gases de efeito estufa e manter o aquecimento global abaixo dos 2º Celsius. O clima não está bom para os defensores do meio ambiente.
Referências:
MCGLADE, Christophe & EKINS, Paul. The geographical distribution of fossil fuels unused when limiting global warming to 2 °C, Nature 517, 187–190 (08 January 2015) doi:10.1038/nature14016
MONBIOT, George. Why leaving fossil fuels in the ground is good for everyone, The Guardian, 07/01/15
http://www.theguardian.com/environment/georgemonbiot/2015/jan/07/why-leaving-fossil-fuels-in-ground-good-for-everyone
SHIVA, Vandana. A rota para uma mudança climática imprevisível , Eco21, 07/01/2015
CHIARETTI, Daniela. O ministro cético e seu dogma pétreo, Valor Econômico, 06/01/2015
NOVAES, Washington. Cada um só por si; à frente, interrogações, O Estado de S.Paulo, 09/01/2015
February 13 and 14: Divest from fossil fuels http://gofossilfree.org/divestment-day/
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Publicado no Portal EcoDebate, 30/01/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário