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sexta-feira, 6 de março de 2015

Fome em Gaza

A saúde da população de Gaza, que não tem acesso aos alimentos necessários para a sua sobrevivência, ressentiu-se do dano considerável que sofreram as terras e a água do território costeiro, devido ao bloqueio de Israel e aos devastadores bombardeamentos realizados por esse país sobre a Faixa de Gaza no ano passado. 

Por Mel Frykberg, da IPS

Safa Subha e Rahat, de três anos, dependem da ajuda alimentar da Oxfam para combater a desnutrição depois de se terem acostumado a um regime de pão e chá. Foto: Mel Frykberg/IPS

“Vivíamos a pão e chá e os meus cinco filhos estavam gravemente desnutridos, já que o meu marido e eu não podíamos comprar comida adequada”, contou Safa Subha, de 37 anos, moradora em Beit Lahiya. “Os meus filhos tinham problemas hepáticos, anemia e fraqueza nos ossos”, contou à IPS.

“Só quando comecei a receber vales de alimentação periodicamente da organização humanitária Oxfam e pude comprar ovos e iogurte é que recuperaram a saúde. Mas continua a ser uma luta porque tenho que racionar a comida e o médico alertou que preciso continuar a dar estes alimentos aos meus filhos para prevenir a desnutrição”, acrescentou Subha.

De acordo com o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), em várias comunidades de Gaza a falta de diversidade dietética destacou-se como um tema de preocupação, especialmente no caso das crianças e mulheres grávidas e lactantes, devido à falta de assistência alimentar em grande escala e ao alto preço dos alimentos frescos e das carnes vermelhas.

Antes da guerra, Ashraf, marido de Safa, trabalhava como agricultor num terreno alugado onde cultivava alimentos para vender. “O meu marido ganhava cerca de 75 dólares por semana. Quando ficou muito perigoso cultivar a terra, por causa do fogo militar de Israel e porque grande parte ficou destruída pelos bombardeamentos, o meu marido procurou ganhar algum dinheiro alugando um táxi”, explicou Safa.

Mas isso não foi suficiente para a sobrevivência da família. “Só pode usar o táxi dois dias por semana, já que não lhe pertence e frequentemente não tem dinheiro para comprar combustível, porque é muito caro e Israel só permite uma quantidade limitada em Gaza devido ao bloqueio”, acrescentou a mulher.

Kamal Kassam, de 43 anos e oriundo de Beit Hanoun, no norte da Faixa de Gaza, depende de um programa da Oxfam denominado Dinheiro por Trabalho, para manter a sua mulher e os cinco filhos, de seis a 12 anos de idade. Durante a guerra, a família Kassam teve que fugir para um abrigo da Organização das Nações Unidas (ONU) quando um bombardeamento israelita destruiu a sua casa, feriu a sua mulher e traumatizou gravemente uma das suas filhas, que agora sofre de epilepsia e não controla o seu esfíncter à noite.

Eman, a esposa de Kassam, está doente e outra filha sua precisa de tratamento médico contra o cancro. À família foi dado temporariamente um rulote para morar junto às organizações de assistência, mas não puderam conseguir comida ou uniforme escolar porque já tinham recebido uma ajuda de habitação e, portanto, estavam em situação “menos desesperadora” do que outros para receberem mais.

“Eu trabalhava numa fábrica, mas perdi o emprego depois do bloqueio de Israel. Antes da guerra ganhava 7,50 dólares por dia para recolher e entregar produtos com a minha carroça”, contou Kassam. Mas numa noite de intenso bombardeamento aéreo, uma bomba matou o seu burro e destruiu a carroça, o único meio que tinha para manter a família.

Os bombardeamentos israelitas também destruíram ou danificaram obras de infraestrutura, incluindo a única central de energia de Gaza e vários projetos de saneamento de água. Assim, o esgoto sem tratamento é lançado ao mar e depois mistura-se com o sistema de água subterrânea de Gaza, contaminando a água potável e os cultivos e provocando focos de enfermidades.

As restrições israelitas às importações, como à do material de reposição vital para reparação da infraestrutura de canalizações e de materiais para a agricultura, como fertilizantes e sementes, limitaram a produção agrícola. Por outro lado, os reiterados disparos das forças de segurança de Israel contra pescadores e agricultores, que tentam ter acesso às suas terras e aos bancos de pesca das chamadas Zonas de Acesso Restrito de Gaza, são um sério obstáculo à capacidade dos moradores de Gaza para ganhar a vida com agricultura e pesca.

As preocupações mais frequentes em relação à segurança alimentar e à nutrição são “perda de fontes de rendimento e meios de vida devido ao grave dano causado às terras agrícolas, a morte e perda de animais, impossibilidade de acesso às terras agrícolas, em particular na zona de segurança de três quilómetros imposta por Israel, e a perda de empregos”, segundo a Ocha.

A insegurança alimentar não se deve exclusivamente à escassez de alimentos no mercado, mas também a uma crise económica, já que a maioria dos moradores de Gaza não pode comprar suficientes alimentos de qualidade.

Devido ao escasso acesso “aos alimentos, decorrente da alta taxa de desemprego e dos baixos salários, a maioria da população de Gaza foi empurrada para a pobreza e a insegurança alimentar, sem outra opção que não seja depender em grande parte da assistência para cobrir as suas necessidades essenciais”, afirma o informe Avaliação Detalhada das Necessidades de Gaza e o Contexto de Recuperação: Subsetor Proteção Social, elaborado pelo governo palestiniano, Banco Mundial, União Europeia e ONU.

“A repetição de uma crise económica severa após outra reflete-se na erosão das estratégias de manutenção da família. Em 89% delas se recorre a mecanismos de sobrevivência negativos para suprir as suas necessidades alimentares (metade informa que compra alimento de baixa qualidade e um terço deles diminuiu o número de refeições diárias)”, diz o documento, que prevê que a situação vai piorar este ano.

Artigo de Mel Frykberg publicado em Envolverde/IPS

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