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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A impopularidade de Donald Trump e a decadência do Império Americano

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Só amanhece o dia para o qual estamos acordados”
(Henry Thoreau, 200 anos de seu nascimento)

crescimento econômico por presidente nos Estados Unidos
A eleição do bilionário do setor de especulação imobiliária, Donald Trump, para a presidência dos Estados Unidos da América (EUA), é uma consequência e, ao mesmo tempo, uma confirmação do processo de decadência do Império Americano.
Todos os grandes Impérios do mundo tiveram seus momentos de ascensão e declínio: Império Persa, Império Romano, Império Otomano, Império Austro-húngaro, Império Inglês, Império Soviético, etc. Parece que não será diferente com o Império dos EUA (Americano).
A força dos EUA sempre esteve na vitalidade de sua democracia e na capacidade de reconfigurar o mundo tal como aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial e da governança criada depois da histórica reunião de Breton Woods (em 1944). No período da Pax Americana, os EUA defenderam a globalização, incentivada por organizações como o Banco Mundial, o FMI, a OMC, etc. A sede da ONU foi instalada em Nova Iorque e a Primeira-dama dos EUA, Eleanor Roosevelt, foi fundamental para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 1948).
Alexis de Tocqueville, em 1835, no livro “Da democracia na América”, mostrou que o poder e a grandeza dos Estados Unidos da América (EUA) estavam na diversidade de sua composição demográfica, na defesa da liberdade, na busca pela igualdade, numa sociedade civil ativa e empreendedora, etc.
De fato, houve uma certa americanização do mundo depois da Segunda Guerra Mundial. A força da economia americana estava na sua produtividade, empreendedorismo e competitividade internacional. O alto crescimento econômico, principalmente na segunda metade do século XX, possibilitou a redução da pobreza e um grande crescimento da classe média, reforçando o processo de mobilidade social ascendente. Os EUA são um dos países com maior presença de migrantes e sempre buscaram garantir que as gerações mais jovens avançassem economicamente e socialmente em relação às gerações mais velhas.
Mas o quadro da economia dos EUA começou a se deteriorar depois dos anos de 1980 e entrou numa fase de estagnação de oportunidades depois da quebra do banco Lehman Brothers e da crise econômica que começou em 2008. Há vários economistas de renome, como Robert Gordon e Larry Summers que falam em estagnação secular. Ou seja, a prevalência de baixas taxas de crescimento econômico no século XXI será o novo normal e o baixo crescimento da renda per capita deverá inviabilizar o processo de mobilidade social ascendente que prevaleceu no passado. E o pior, o crescimento da desigualdade faz com que a parcela do 1% mais rico do país aumente sua parcela de riqueza, enquanto diminui a parcela dos 99% da população. Assim, os EUA podem ser caracterizados como uma potência mundial decadente e com problemas sociais crescentes.
A tendência à estagnação secular fica claro no gráfico acima. Na década de 1960 o PIB americano crescia em média em torno de 5% ao ano, caindo para 3% na média anual, entre os anos de 1970 e 1990, recuperou um pouco no governo Clinton, encontrando-se abaixo de 2% ao ano nos governos Bush filho e Obama. Dificilmente Trump conseguirá taxas de crescimento acima de 2% ao ano, pois há sinais que o ritmo vai diminuir ainda mais no médio e longo prazo devido aos ventos contrários, apontados por Gordon: 1) aumento das desigualdades sociais, 2) educação deteriorada; 3) degradação ambiental; 4) maior competição provocada pela globalização; 5) envelhecimento populacional; e 6) o peso dos déficits e do endividamento privado e público.
A dívida pública líquida dos EUA estava em torno de 40% do PIB na década de 1930 e disparou durante a Segunda Guerra, ultrapassando 100% do PIB. Com a prevalência da hegemonia americana no mundo e o alto crescimento a dívida caiu para níveis muito baixos (menos de 30% do PIB) até o final dos anos 1970. No governo Ronald Reagan (e depois George Bush pai) houve aumento dos gastos militares e redução dos impostos dos ricos, fazendo a dívida aumentar rapidamente. Mas com o fim da Guerra Fria e o fim da URSS, os gastos militares diminuíram no governo Bill Clinton e a percentagem da dívida como proporção do PIB também diminuiu. Contudo, no governo George Bush filho o percentual da dívida aumentou rapidamente e disparou no governo Barack Obama, devido às medidas adotadas para estimular a economia.
Em outubro de 2016, a dívida pública em poder do público era de US$ 14 trilhões (cerca de 75% do PIB), mas a dívida pública bruta atingiu US$ 19 trilhões (104% do PIB). A perspectiva é de aumento da dívida, pois o orçamento é estruturalmente deficitário. Desta forma, a solvência do governo central está constantemente em questão e o Congresso está sempre querendo fazer cumprir a obrigação de manter a dívida abaixo de um valor fixado por lei.
A balança comercial americana que era equilibrada até 1975 passou a ter déficits crescentes até atingir um rombo de quase US$ 800 bilhões em 2006, na época do governo George W Bush. O déficit comercial dos EUA com a China atingiu a monstruosa cifra de US$ -365,694.5 em 2015. Ou seja, o déficit americano com a China foi cerca de o dobro do total das exportações brasileiras em 2015.
O gráfico abaixo mostra que o crescimento do PIB nominal dos EUA aumentou 1.700% entre 1970 e 2015, mas a dívida aumentou mais do dobro (3.900%). A economia real cresce pouco, mas a dívida cresce muito. Diversos analistas mostram que a economia americana sobrevive em função do endividamento e de uma bolha de crédito. Este caminho é insustentável. Mais cedo ou mais tarde a bolha vai estourar e a economia vai entrar em recessão, agravando os problemas sociais.

crescimento da dívida e do PIB dos EUA

É neste quadro de baixo crescimento econômico, alto endividamento e aumento da desigualdade social, que toma posse Donald Trump, no dia 20 de janeiro de 2017. Mantendo as mesmas provocações da campanha eleitoral, o discurso de posse foi marcado pelo protecionismo, nacionalismo (“America First”), populismo e irresponsabilidade fiscal.
O governo Trump pretende cortar impostos das grandes empresas e dos ricos, aumentar o gasto em infraestrutura e estabelecer barreiras comerciais. É, claramente, um discurso antiglobalização, refletindo a perda de competitividade dos EUA em relação ao resto do mundo, inclusive México, mas, principalmente, China. O irônico é que o presidente comunista chinês, Xi Jinping, poucos dias antes, fez um discurso no Fórum Econômico de Davos defendendo a globalização e o livre comércio. Talvez isto reflita o fato da China ser a nova potência hegemônica emergente e os EUA sejam o Império em declínio e que precisa construir muros.
Donald Trump perdeu a eleição no voto popular (ganhou no colégio eleitoral) e é o presidente menos querido da história recente dos EUA. Segundo pesquisa da ABC News e Washington Post ele tinha um índice favorável de 40% e um índice desfavorável de 54% em meados de janeiro de 2017. Isto contrasta com os índices de Barack Obama que foram de 79% e 18%, respectivamente.
Segundo o site Real Clear Politics, a média do índice favorável de Trump nunca foi tão alta como em meados de janeiro de 2017, mas no dia da posse o índice médio de favorável estava em 41,8% e o desfavorável em 49,9%. A tendência é que a reprovação do governo Trump aumente, pois o número de pessoas favoráveis na posse foi bem menor do que o número de pessoas protestando nas ruas no mesmo instante.

Trumo: favorable/unfaborable

Para efeito de comparação, os números correspondentes do governo Obama começaram com índice médio favorável acima de 60% e desfavorável abaixo de 20%. Na maior parte do segundo mandato, Obama teve saldo negativo e se manteve com popularidade baixa, mas sempre acima de 40%. Porém, desde 2016, os índices médios favoráveis superaram os índices desfavoráveis e ele terminou o governo com índices de aprovação excepcionais.

President Obama job aproval

O grande destaque dos protestos contra Donald Trump veio por parte das mulheres. Mais de dois milhões de pessoas tomaram as ruas de Washington e de outras cidades americanas no sábado (21/01/2017) para desafiar o discurso de ódio e de conteúdo isolacionista de Trump. Em Washington, um mar de mulheres (e alguns homens), muitas com gorros rosas com orelhas, se concentrou perto do Congresso. Os organizadores estimaram a multidão em mais de um milhão de pessoas, quatro vezes o esperado inicialmente. Em Los Angeles, a marcha convocou mais de meio milhão. Diversas cidades dos EUA e do mundo tiveram manifestações contrárias aos novos rumos da política americana. Algumas estimativas apontam 5 milhões de pessoas nas ruas contra Trump no fim de semana após sua posse.

manifestantes anti Trump

Os protestos foram além das questões de gênero e denunciaram o conflito de interesses entre o cargo de presidente e os negócios da família Trump, além de criticar as posturas antiecológicas e céticas do novo governo. O novo governo mentiu sobre o tamanho do público presente à posse e seus assessores chamaram de “fatos alternativos” as informações falsas propagadas.
Trump tem o hábito de reagir com chiliques nas redes sociais quando é contrariado pelas pessoas e pelos fatos. O novo presidente xenófobo se colocou contra o mundo, contra os direitos humanos, contra os direitos reprodutivos e contra a proteção do meio ambiente. Está tentando construir muros em vez de pontes. Além disto, assinou uma ordem executiva com veto a pessoas de sete países de maioria muçulmana que desejam entrar no território americano, assim como refugiados sírios. Trump prometeu acabar com a “carnificina”, mas em poucos dias gerou “choque e pavor”. Diante te tantas medidas insensatas e até ilegais e depois de uma primeira semana caótica, já se houve a palavra de ordem “Fora Trump” (“We have to impeach this fool”).
Entre janeiro e novembro de 2016, os EUA tiveram déficit comercial de US$ 319 bilhões com a China, de US$ 62 bilhões com o Japão, US$ 60 bilhões com a Alemanha e de US$ 59 bilhões com o México. Mas foi o aliado e vizinho da América do Norte (e do Nafta) que virou alvo de preconceito e fúria de Donald Trump.
A recusa do presidente do México em pagar o “Trump Wall” e não participar de uma reunião programada para dia 31/01 é o primeiro grande revés do novo governo dos EUA. Pesquisa da Quinnipiac University, realizada entre os dias 20 e 25 de janeiro apurou um índice de aprovação de somente 36% e um índice de desaprovação de 44%. A média da avaliação do site Real Clear Politics da primeira semana do governo (20/01 a 27/01) indicou 43,8% de aprovação e 44,5% de desaprovação da gestão Trump. Bem diferente da primeira semana de Obama. Assim, tem crescido as manifestações contra Trump e já há uma grande marcha dos cientistas e ambientalistas marcada para o dia 29 de abril de 2017.
O relógio do Fim do Mundo está a dois minutos e meio de uma catástrofe. Todos os anos, um painel de cientistas e especialistas estimam o quanto resta para o fim do mundo. Fazem isso de um jeito simbólico, com um relógio prestes a chegar ao abismo, à meia-noite: o indicador são os minutos que faltam para esse momento. Nunca, antes de Donald Trump, tínhamos estado tão perto da destruição da humanidade desde 1953, quando os EUA e a URSS puseram sobre a Terra suas primeiras bombas termonucleares.
Economistas, como Paul Krugman, creem que o governo Trump será pior do que o governo Obama e que a inflação e o desemprego vão crescer nos próximos 4 anos. Segundo a teoria keynesiana, a política fiscal expansionista deve ser usada nos momentos de recessão e o aumento de impostos deve ocorrer nos tempos de bonança. O governo Trump pretende fazer o oposto, gastando um trilhão de dólares quando o desemprego está muito baixo e a dívida pública muito alta. Assim, o pacote de estímulo atual pode significar um recuo maior no futuro, além de provocar instabilidade internacional.
Para o resto do mundo, os cenários não são bons, nem em termos econômicos e nem políticos. Não foi secundarizando o resto do mundo que os Estados Unidos se tornaram a maior potência do Planeta. Não vai ser pela via do autoritarismo e da falta de democracia que haverá prosperidade global. A desglobalização e o fim do “neoliberalismo progressista” vão gerar retrocessos sociais globais. O protecionismo e o declínio do Império Americano vão causar danos nos quatro cantos do mundo. Dias piores virão.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 30/01/2017

Um comentário:

  1. Um texto muito claro e conteúdo informativo muito bem documentado. Obrigada.

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