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quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Brasil vive outra década perdida

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

O IBGE divulgou no final de agosto que o Produto Interno Bruto (PIB) registrou variação positiva de 0,4% no segundo trimestre de 2019 (comparado ao primeiro), na série com ajuste sazonal. Desta forma, este número evitou que o Brasil entrasse em recessão técnica (queda em dois trimestres consecutivos).
Mesmo assim, a recuperação apresenta fôlego curto e não evitará que a segunda década dos anos 2000 entre para a história como o pior decênio de crescimento econômico dos últimos 120 anos. O gráfico abaixo mostra que a variação trimestral do PIB mantinha um ritmo pouco superior à variação trimestral da população entre 2011 e 2013, mas a recessão iniciada em 2014 fez a renda per capita cair de forma acelerada e a lenta recuperação pós 2016 não foi suficiente para recuperar a renda média dos brasileiros. Considerando o 4º trimestre de 2010 = 100, a população chegou a um índice de 117 no 2º trimestre de 2019, o PIB atingiu um índice de 103,4 e o PIB per capita um índice de 88,3.
variação trimestral acumulada do PIB, da população e do PIB per capita
Estes números contrastam com o fato de que o Brasil foi um país que apresentou crescimento econômico e demográfico de destaque, dentre todas as nações do mundo, na maior parte do século XX. Entre 1901 e 1980, o PIB brasileiro cresceu a uma taxa média anual de 6,2%, enquanto a população cresceu 2,5% ao ano. Em consequência, o PIB per capita cresceu em média 3,6% ao ano e o Brasil deu um salto para entrar no clube dos 10 maiores países do mundo.
Mas o ritmo acelerado do crescimento econômico foi interrompido nos anos 80. O crescimento médio do PIB brasileiro ficou em 1,6% entre 1981 e 1990, enquanto o crescimento demográfico foi de 1,8% ao ano. Consequentemente, houve variação negativa do PIB per capita de -0,2% ao ano. Ou seja, pela primeira vez na história republicana a população brasileira terminou uma década mais pobre do que iniciou. Portanto, os anos 80 constituíram uma “década perdida”.
Nos anos 90 houve uma ligeira recuperação, pois o PIB cresceu 2,5% ao ano, a população cresceu 1,3% ao ano e o PIB per capita cresceu 1,2% ao ano entre 1991 e 2000. Na primeira década dos anos 2000, a recuperação econômica foi um pouco mais elevada, com o PIB crescendo 3,7% ao ano, a população crescendo a 1,1% ao ano e o PIB per capita crescendo a 2,6% ao ano entre 2001 e 2010. Tanto a última década do século XX, quanto a primeira década do século XXI foram de crescimento da renda per capita, mas em ritmo bem menor do que a média histórica.
O gráfico abaixo mostra a variação anual do PIB e a média móvel de dez anos entre 1900 e 2020. Nota-se que as décadas de maior crescimento decenal foram as de 1950 e 1970. A partir do ano de 1981 os decênios passam a ser cada vez menores e, atualmente, os decênios são os menores da série. A atual década deve ter um crescimento do PIB abaixo de 1% ao ano. Evidentemente, o baixo dinamismo econômico reflete no desempenho do mercado de trabalho.
taxas anuais de crescimento do PIB
A crise do mercado de trabalho na presente década significa a perda do futuro do país e do futuro não só da juventude atual (que sofre mais que proporcionalmente com a escassez de oportunidades de trabalho) mas do futuro das gerações que ainda vão nascer e que vão herdar mais problemas do que soluções. O desperdício do bônus demográfico é também o desperdício de uma situação histórica que não vai se repetir no futuro e pode fazer o Brasil ficar preso na armadilha da renda média. Significa também que os idosos serão prejudicados, já que sem uma solidariedade intergeracional não há como garantir boas condições de vida no envelhecimento.
O Brasil está em uma trajetória submergente durante todo o período da Nova República. O passo fundamental para mudar esta triste página da história brasileira é possibilitar que cada pessoa possa ter orgulho de trabalhar para se sustentar e para garantir a sustentabilidade econômica e ambiental do país. O Brasil poderia ter uma população ocupada de 120 milhões, mas ocupa menos de 93 milhões de pessoas, além de ter uma baixa produtividade.
A pesquisa PNADC do IBGE, divulgada dia 30/08/2019, mostra uma realidade tenebrosa. No trimestre encerrado em julho de 2019, havia aproximadamente 12,6 milhões de pessoas desocupadas no Brasil. Já a taxa composta de subutilização da força de trabalho foi estimada em 24,6% no trimestre, sendo que o número de pessoas subutilizadas ficou em 28,1 milhões.
taxa composta de subutilização
Considerando os 5 anos entre o segundo trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2019 a queda média do PIB foi de 0,7% ao ano, enquanto a população total crescia a 0,8% ao ano. Assim, a queda do PIB per capita, na média do período, ficou em torno de 1,5%. Como o número de pessoas ocupadas passou de 91,5 milhões no segundo trimestre de 2014 para 93,5 milhões no segundo trimestre de 2019 (geração de empregos de baixa qualidade), havia mais gente ocupada e menos produto realizado. O crescimento do número de trabalhadores com redução do PIB, significa que a produtividade do trabalho foi reduzida em -1,1% ao ano.
A crise brasileira não decorre da falta de gastos, ao contrário, como mostra o gráfico abaixo as despesas primárias do governo central cresceram muito mais rapidamente do que as receitas. O déficit primário atual é enorme e existe um desequilíbrio muito grande no orçamento fiscal. Os gastos são altos, mas os investimentos são baixos.
receita vs despesa primária do governo central
Sem aumento da taxa de investimento não haverá recuperação da economia e nem dinheiro para defender o meio ambiente. Simplesmente revogar o “Teto de Gastos” pode não resolver o problema da produtividade da economia e a competitividade internacional (o saldo comercial brasileiro está caindo em ritmo acelerado em 2019), como também pode agravar a solvência da dívida pública.
Tudo isto indica que, se nada for feito, o Brasil deve ficar preso na armadilha do baixo crescimento, devendo envelhecer antes de enriquecer, convivendo com muito desemprego e baixa produtividade. Somente um plano de reativação da economia com pleno emprego e trabalho decente – aliado ao avanço da ciência e tecnologia e ao aumento da qualificação e eficiência dos trabalhadores – poderia mudar o quadro atual de crise econômica e social.
Existe uma tendência de baixo crescimento da economia internacional, tendência conhecida como “japonização da economia”. Há também uma estagnação do comércio mundial (tendência conhecida como “slowbalization”). A maioria dos países latino-americanos, nações de renda média, estão experimentando uma “japonização” precoce e perdendo espaço no comércio internacional. O Brasil precisa de um projeto de nação coerente e de escopo de longo prazo para evitar não só uma possível terceira década perdida, mas também um século perdido.


Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382


in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/09/2019

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