Segundo Bruno Paes Manso, alguns fatores que influenciam as variações de ano a ano dos números de assassinatos têm relação com a transformação do cenário criminal brasileiro
Jornal da USP
O Monitor de Violência é uma parceria do site G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Dados do levantamento deste ano mostraram queda de 3% no número de assassinatos nos primeiros nove meses de 2022, porém houve desaceleração no terceiro trimestre. Em média, 11 brasileiros foram assassinados por dia entre janeiro e setembro.
“Tem algo positivo [nesses números], que é uma redução desde o final do governo Temer em 2018. No último ano do governo, depois de 2017, que foi um ano muito problemático, com rebeliões dentro dos presídios e quase 200 mortes, além de um conflito muito forte nos grupos criminais, 2020 teve um leve crescimento, mas praticamente a mesma coisa que 2019, 2021. Em 2022, a tendência continua baixa. A gente chegou em 2021 com pouco mais de 42 mil assassinatos, o que é uma redução significativa em relação ao recorde de 2017”, explica Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP e autor do livro A República das Milícias.
Fatores
“O Monitor de Violência é quase um termômetro de febre que identifica alguns sintomas de curto prazo. Não é uma tendência de longo prazo, é realmente um termômetro do que está acontecendo no momento e esse acompanhamento que a gente vem fazendo permite perceber essas variações”, analisa o pesquisador.
Alguns fatores que influenciam as variações de ano a ano dos números de assassinatos têm relação com a transformação do cenário criminal brasileiro. “A partir do momento em que o Primeiro Comando da Capital começou a vender drogas para todo o Brasil, os grupos passaram a mimetizar a estrutura do PCC. O equilíbrio ou desequilíbrio do mercado de droga nos Estados, o acirramento de certas rivalidades fazem com que muitas vezes o crime cresça ou o homicídio cresça ou diminua. O que estamos vendo é que o mercado de droga e esses grupos vêm se estabilizando, atuando de forma a aumentar seus lucros e diminuir seus custos. Homicídio em alta significa, muitas vezes, prejuízo e custo maior e, conforme esse mercado de drogas se profissionaliza, começamos a ver uma racionalidade natural de que, ao pacificar ou a fazer acordo e diminuir os conflitos autodestrutivos desse mercado, eles passem a ganhar mais dinheiro”, comenta Manso. Ou seja, para o pesquisador, no médio prazo, esse mercado está se profissionalizando.
Além disso, o crescimento de armas em circulação é outro ponto crucial observado, levando em conta o estudo. Bruno Paes Manso ressalta: “O desvio dessas armas para o mercado criminal aumenta, principalmente, a possibilidade dos crimes ocasionais que não estão ligados a essa estratégia de competição do mercado de drogas, mas são ligadas a certos momentos de raiva, de ódio, de emoção nas ruas, nos bares, nas brigas de trânsito, dentro de casa, nos feminicídios, nos crimes”.
Tendência
A região Sul foi a única que cresceu no número de assassinatos, porém os Estados do Mato Grosso e de Rondônia também apresentaram um aumento nesse número. Enquanto isso, a região Nordeste foi a que apresentou a maior queda, segundo os dados do Monitor de Violência.
Manso explica algumas razões para essas quedas e aumentos: “Relativo ao Nordeste, é justamente esse problema muito ligado à questão do mercado criminal nos anos 2010. Até recentemente, quando o PCC passa a vender drogas para o Brasil, surgem diversas facções prisionais no Nordeste. O mercado de drogas fica muito acirrado e violento. A percepção do processo autodestrutivo e, ao mesmo tempo, uma racionalização em decorrência até dos métodos de venda de droga é uma tendência de racionalização a longo prazo estrutural que vem se firmando. Por outro lado, estão acontecendo outros conflitos ligados a outros tipos de crime, principalmente ligados a disputas de terra ou ambientais, como acontecem em Rondônia e no Mato Grosso. No caso do Sul, é difícil pensar, na verdade são hipóteses apenas, porque a gente não tem condição de medir em um tempo tão curto e refletir sobre isso. Mas pode estar havendo alguma mudança de conflitos nas quadrilhas locais, então a questão das armas, onde existe um bolsonarismo muito arraigado, muitos clubes de tiro, uma dinâmica muito emblemática na violência política”. O pesquisador ainda completa: “O Monitor serve muito para isso: É para levantar perguntas mais do que mostrar respostas. Quais são as possibilidades para explicar isso? E aí a gente fica atento, vai tentar lidar com ele e jogar uma espécie de luz sobre aquela cena”.
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