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Juan Carlos Serafim*
A presidente do Supremo Tribunal Federal, Juíza Rosa Weber, no recente dia 21/08/2023, em um ato de comprometimento e responsabilidade com o desfecho da causa, antecipou seu voto no julgamento dos embargos de declaração opostos pelo INSS na tese da Revisão da Vida Toda (Tema 1102 - RE 1276977).
É fato notório que a Juíza Rosa Weber, desde a concepção do Tema 1.102, se posicionou favorável à tese revisional, defendendo o direito dos segurados.
O voto trazido pela Presidente do STF em sede de julgamento dos Embargos de Declaração, no mérito do Tema 1.102 é significativamente positivo, pois reafirma o direito dos aposentados à revisão do benefício previdenciário, através da aplicação da regra permanente (artigo 29, I e II da Lei nº 8.213/91), quando mais favorável que a regra de transição (artigo 3º da Lei nº 9.876/99).
Ocorre que, os pontos de divergência trazidos pela Juíza, desapontaram os segurados, sobretudo porque defendeu uma modulação mais severa que aquela sugerida no voto do Relator Alexandre de Moraes.
Isso porque, além da modulação para excluir os benefícios extintos, a Juíza defendeu a modulação para impossibilitar o ajuizamento de ação rescisória para a desconstituição das decisões judiciais que transitaram em julgado antes de 17/12/2019 (data da publicação do acórdão proferido pelo STJ).
Não obstante, a Juíza sugeriu a criação de um marco temporal para o recebimento das parcelas retroativas. O entendimento defendido veda o recebimento das diferenças retroativas anteriores a 17/12/2019 (data de publicação do acórdão do STJ), salvo para os casos ajuizados antes de 26/06/2019 e que ainda não tenham transitado em julgado.
Em outras palavras, caso o voto da Juíza Rosa Weber seja acompanhado pela maioria dos Juízes, os segurados que ingressaram com a ação antes de 26/09/2019 (data do início do julgamento do Tema nº 999 do STJ), podem receber as diferenças referentes aos últimos 5 anos do ajuizamento da demanda. Já aqueles que demandaram após a referida data, podem receber as diferenças apenas a partir de 17/12/2019.
A Juíza fundamentou as modulações apontadas em razão da (suposta) ocorrência de overruling (mudança de entendimento jurisprudencial) no Superior Tribunal de Justiça em favor dos segurados, quando do julgamento do recurso especial, sob o rito dos recursos repetitivos. Sinalizou ainda, que não houve declaração de (in)constitucionalidade pelo STJ ou pelo STF, mas sim análise da questão, através da concernente hermenêutica jurídica da norma.
Com o mais elevado respeito ao entendimento defendido pela Juíza Rosa Weber, é importante destacar que as modulações por ela propostas são manifestamente inaplicáveis à Revisão da Vida Toda.
Isso porque, diversamente do sustentado pela Juiza, quando o STJ julgou o REsp 1.554.596/SC (Tema n.º 999), não houve mudança da jurisprudência em favor dos segurados, mas sim uma reafirmação do entendimento já consolidado na Suprema Corte desde o ano de 2013, quando da fixação do Tema 334 do STF (Direito ao melhor benefício).
Tanto é verdade que a própria ementa do Tema n.º 999 do STJ menciona o direito ao melhor benefício:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REVISÃO DE BENEFÍCIO. SOBREPOSIÇÃO DE NORMAS. APLICAÇÃO DA REGRA DEFINITIVA PREVISTA NO ART. 29, I E II DA LEI 8.213/1991, NA APURAÇÃO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO, QUANDO MAIS FAVORÁVEL DO QUE A REGRA DE TRANSIÇÃO CONTIDA NO ART. 3º DA LEI 9.876/1999, AOS SEGURADOS QUE INGRESSARAM NO SISTEMA ANTES DE 26.11.1999 (DATA DE EDIÇÃO DA LEI 9.876/1999). CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO MELHOR BENEFÍCIO. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO FEITO. RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO PROVIDO.”
Na Suprema Corte, o entendimento foi o mesmo. A reafirmação jurisprudencial do Tema 334, foi fundamentada por diversos Juízess na fixação da tese do Tema 1.102, inclusive pelo Juiz Relator do Julgamento Marco Aurélio, voto este que foi acompanhado pela maioria dos Juízess do STF. Vejamos:
“O Supremo, no julgamento do recurso extraordinário nº 630.501, acórdão por mim redigido, veiculado no Diário da Justiça eletrônico de 26 de agosto de 2013, reconheceu o direito do segurado ao recebimento de prestação previdenciária mais vantajosa entre aquelas cujos requisitos cumpre.”
Os demais Juízes que mencionaram expressamente a reafirmação da jurisprudência consolidada pela própria Suprema Corte, notadamente pela tese fixada no Tema 334 (RE 630.501), foram os Juízes Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e a própria Juíza Rosa Weber.
Posto isso, os fundamentos trazidos pela Juíza Rosa Weber em seu recente voto no julgamento dos Embargos de Declaração, defendendo a modulação em razão da suposta alteração jurisprudencial quando do julgamento do REsp 1.554.596/SC (Tema n.º 999 do STJ), data máxima vênia, além de violar os primados da isonomia e da segurança jurídica, contraria os seus próprios fundamentos quando do julgamento do Tema 1.102 há pouco mais de 8 meses. Vejamos:
“Essa é a compreensão que, aliás, já foi sufragada por esta Casa, ao julgamento do RE nº 630.501, paradigma do tema nº 334 da repercussão geral, em que se assentou a seguinte tese: (...)”
Outrossim, cumpre destacar que a modulação de efeitos, nas ampliadas hipóteses defendidas pela Juíza Rosa Weber, configura supressão dos efeitos da decisão, pois modifica o conteúdo da decisão fixada no Tribunal Pleno do STF, em sede de embargos de declaração, circunstância esta expressamente vedada pelo ordenamento jurídico.
Por fim, a modulação dos efeitos da revisão da vida toda legitima um perigoso precedente. Isso porque, ao reduzir o direito ao recebimento das diferenças devidas em tempo menor do que os últimos 5 anos (prescrição quinquenal) contados da propositura da ação judicial, o Estado poderia estar concedendo a si próprio a prerrogativa de descumprir direitos sociais conquistados pela Carta Magna. Isso significaria uma afronta à Justiça Social, a Segurança Jurídica e a preservação dos Direitos Fundamentais que sustentam o Estado Democrático de Direito.
Assim sendo, a perspectiva apresentada pelo Juiz Relator Alexandre de Moraes em seu voto nos embargos da revisão da vida toda, emerge como uma solução mais razoável para o desfecho desse tão aguardado julgamento. Isso porque, o Juiz sugere uma brilhante tese de modulação que garante o recebimento das parcelas retroativas em total respeito ao Direito ao Melhor Benefício e à legalidade da prescrição quinquenal prevista no art. 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, promovendo, assim, segurança jurídica e isonomia.
*Juan Carlos Serafim é advogado especializado em Direito Previdenciário
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