*Por João Boaventura Branco de Matos
A exemplo de experiências bem-sucedidas como as que aconteceram na Alemanha no século XIX, e na Coreia do Sul, no século XX, a industrialização no Brasil também é considerada um processo tardio e impulsionado pela figura do Estado. As primeiras manufaturas foram abertas ainda durante o século XIX, mas não se consolidaram em função do domínio político exercido pelos representantes do setor primário. Com a Crise de 1929 e a derrocada das lavouras de café, o progresso da industrialização passou a ganhar prioridade, desta feita no contexto do governo Vargas e do Estado-novo. Neste período, os capitais privados, proveniente dos cafeicultores, e o capital estatal foram a base para a construção de siderúrgicas, ferrovias e portos.
A chegada de Juscelino Kubitschek ao poder e com o acirramento da Guerra Fria ensejaram oportunidades para uma nova etapa de industrialização marcada pelo ingresso de empresas multinacionais e capital para o financiamento de novas plantas industriais no país. A composição do capital estatal, privado, nacional e internacional promoveram a cadeia produtiva do automóvel, resultando no crescimento da malha rodoviária brasileira e na maior conexão do território nacional. Durante os anos 1960 e 1970 houve um boom da industrialização no Brasil com uma variedade de fábricas que produziam desde os bens de consumo não duráveis e bens de capital.
A partir de uma importante revolução produtiva associada à microeletrônica e às tecnologias da informação, passaram a ocorrer mudanças significativas no modo de produção. Neste cenário de final da Guerra Fria e da cessação da oferta de capitais estrangeiros, a indústria brasileira, cada vez mais sucateada e menos competitiva internacionalmente, passou a ser objeto de medidas neoliberais, intensificando a concorrência interna com a maior presença das empresas estrangeiras. Esse período foi marcado por uma onda de privatizações de organizações estatais, pelo processo de fusão e aquisição de companhias menores por outras de maior porte e pelo fechamento ou aquisição de diversas fábricas nacionais pelas internacionais.
Superados os desafios da crise da dívida externa e da hiperinflação, com o início do atual milênio passaram a ser recorrentes as tentativas de reindustrialização do país. Não obstante os PACs 1 e 2 tenham logrado êxito em alguns setores como o da construção de infraestrutura, produção de energia limpa e petróleo, não se conseguiu criar um processo consistente de desenvolvimento sustentado a partir da indústria. Seja pela ausência de foco das medidas do PAC 1 e 2, ou pela inexistência de um consenso político a respeito do tema, o fato é que a reindustrialização ainda não pegou.
Com a eleição do novo governo em 2022, o tema voltou à agenda de prioridades com o anúncio do PAC3, quando o governo federal anunciou um valor previsto de R$1,7 trilhão, com a expectativa de desembolsos até 2026 de R$1,4 trilhão. Esse aumento dos investimentos tem a potência de elevar a taxa de investimentos para algo em torno de 21,5% do PIB, teria efeitos multiplicadores caracterizando um novo ciclo de reindustrialização ou neoindustrialização. Dessa forma, entendendo-se este processo como a reedição da indústria em novos setores sustentáveis, nos quais o Brasil poderá ter maiores vantagens competitivas.
Detentor da melhor matriz energética do mundo, além de futuro produtor com saldo de carbono zero e exportador de energia sustentável, o Brasil tem potencial para se destacar como ofertante internacional de produtos verdes. Esses fatores podem ainda ser potencializados a partir das sinergias com a produção do agronegócio e com o aumento da preocupação mundial com a aceleração das mudanças climáticas.
Todavia, há alguns óbices relevantes para a consecução desta nova etapa de industrialização. Primeiramente, é indispensável a participação do capital privado nacional e internacional no processo, mas estes dependem, logicamente, da construção de um relativo consenso político a respeito da importância do tema. Outra questão importante é a superação de alguns gargalos no transporte e na infraestrutura (aero) portuária, além da falta de qualificação no Brasil que não dispõe da oferta de ensino de qualidade e tem a presença de jovens brasileiros reduzida nas universidades.
* João Boaventura Branco de Matos é professor de ciências econômicas da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio.
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