Por Regiane Nitsch Bressan (*)
O primeiro turno das eleições da Argentina no último domingo, 22 de outubro, trouxe esperança para a política tradicional no país. O candidato peronista, Sergio Massa, foi o líder da corrida presidencial, com aproximadamente 37% dos votos. Por sua vez, o candidato da ultra-direita, Javier Milei ficou em segundo lugar, diferente do que muitas pesquisas eleitorais indicavam.
Sergio Massa, representante do peronismo é desafiado pela situação socioeconômica dramática e descrença no sistema político. Como atual ministro da Economia, Massa liderou esforços para enfrentar a crise, unificando pastas e negociando a dívida bilionária com o FMI. Ele é visto como um político pragmático e conciliador, buscando um governo de união nacional para acalmar os ânimos e encontrar soluções para a crise através do apoio da coalizão União pela Pátria. Por um período, Massa foi chefe de gabinete na presidência de Cristina Kirchner (2007-2015), de quem é forte aliado. Na sequência, virou um grande adversário do próprio kirchnerismo, que atualmente o apoia. Massa se destaca por sua imagem de gestor habilidoso e valente para encarar situações ásperas e difíceis, bem como pela sua capacidade de gestão e negociação com os diferentes poderes.
Massa tem uma trajetória política longa e complexa, passando da direita liberal ao peronismo e sendo aliado e adversário do kirchnerismo ao longo dos anos. Em 1999, foi eleito deputado provincial com 27 anos. No Legislativo federal, Massa foi deputado e presidente da Câmara. Apesar de sua gestão ser vista como uma oportunidade de continuidade em programas sociais cruciais, ele enfrenta críticas sobre sua repressão na segurança pública e falta de apoio a certos líderes sociais, como indígenas. Ele propõe um governo de unidade nacional e políticas focadas em emprego, indústria, recursos naturais, endividamento externo e direitos humanos. Em uma eleição em que o peronismo busca se reinventar e manter sua relevância, Massa representa uma tentativa de equilibrar as demandas sociais com a necessidade de estabilidade política.
Por sua vez, Javier Milei, líder do partido La Libertad Avanza e autodeclarado "anarcocapitalista", emergiu como favorito na eleição presidencial após vencer as primárias com 30% dos votos em agosto, apesar de ter uma curta trajetória política. Conhecido por suas ideias polêmicas, como a proposta de "dinamitar" o Banco Central, legalizar a venda de órgãos humanos e acabar com a educação obrigatória, Milei é um economista e político novato. Sua trajetória política começou em 2021, mas ele já era conhecido como comentarista televisivo. Seu discurso ultraliberal e rígido em relação à violência encontrou apoio, especialmente entre a classe média argentina. Ele defende a implementação de políticas como a dolarização, privatização estatal e cortes de gastos caso seja eleito presidente.
Nascido em Buenos Aires em 1970, Milei superou uma infância difícil e construiu uma carreira acadêmica em Economia, trabalhando como consultor para grandes grupos financeiros. Sua ascensão na política foi impulsionada por suas aparições midiáticas e seu discurso provocativo. Ele anunciou sua candidatura à presidência em 2020, garantindo vitórias eleitorais para seu partido e ganhando destaque com propostas radicais, o que o posicionou como uma figura controversa e influente na corrida presidencial argentina. Ademais, ele tem apoio popular entre jovens e atua muito bem em redes sociais, ajudando-o a conquistar o segundo lugar neste primeiro turno.
A Argentina, como terceiro maior parceiro comercial do Brasil e membro do Mercosul, está envolvida nas negociações do acordo com a União Europeia junto ao Brasil. Milei representaria uma ameaça às relações entre os dois países, bem como ao acordo entre os blocos, ao expressar sua intenção de eliminar o Mercosul e priorizar laços com os Estados Unidos e Israel. Ele também se opõe à entrada da Argentina no BRICS. Tais declarações levantam preocupações sobre o futuro do acordo com a União Europeia, levando inclusive à estratégia brasileira de tentar avançar nas negociações neste segundo semestre.
Por sua vez, Massa endossa que os acordos comerciais no Mercosul, sejam realizados em suas moedas locais, fortalecendo o próprio processo de integração e os sistemas econômicos dos seus membros. Certamente, Massa favorece a estabilidade nas relações da Argentina com seus vizinhos e a histórica e relevante relação com o Brasil.
(*) Regiane Nitsch Bressan é professora do Departamento de Relações Internacionais da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (EPPEN/Unifesp); e do Programa Interinstitucional (Unesp, Unicampo e PUC-SP) de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas. É doutora e mestre em Integração da América Latina pela USP. Integra o Observatório de Regionalismo, GRIDALE, FOMERCO e CRIES.
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