Ao não incluir mudanças no uso e cobertura da terra e atividades agropecuárias, projeto de lei que estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, ignora cerca de 75% das emissões brasileiras.
A regularização do Mercado de Carbono Brasileiro representa um passo importante na direção da compensação de emissões de gás carbônico no Brasil, mas possui lacunas que devem ser ajustadas. Alteração para que projeto não inclua empresas do setor agropecuário e ausência de soluções para a compensação pela redução de desmatamento limitam a efetividade da regulação e minimizam seu impacto real.
O Projeto de Lei 412/2022 aprovado, por unanimidade, na Comissão de Meio Ambiente do Senado, no dia 4 de outubro, seguiu para discussão na Câmara dos Deputados. No dia 23 de novembro, será realizada na Comissão de Desenvolvimento da Câmara uma audiência pública para avançar o debate do projeto e fornecer subsídios para a implementação de outros projetos sobre o tema.
A proposta apresentada originalmente não definia setores de participação, mas sim os limites de emissões, e foi alterada passando a não incluir empresas do setor agropecuário, além de não oferecer soluções para a compensação sobre a redução do desmatamento. O projeto também estabelece o SBCE (Sistema Brasileiro do Comércio de Emissões), proposta que regula as emissões de setores da economia e empresas com taxas anuais de emissão superiores a 10 mil toneladas.
Juntos, mudanças no uso e cobertura do solo, como o desmatamento de vegetação nativa e degradação das florestas, bem como a partir das atividades dos sistemas produtivos agropecuários, correspondem a 73% das emissões brasileiras, segundo dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa). Estes dois componentes também foram os que mais aumentaram suas emissões desde 2019.
“O projeto é muito importante no contexto dos esforços na promoção da ambição na agenda climática, mas o que está se estabelecendo no sistema brasileiro de emissões é o endereçamento da regulação de apenas um quarto do total das emissões do nosso país. A redução do desmatamento não entra na conta e o setor agropecuário segue sem regulação e sem metas ou compromissos concretos de redução de emissões. É preciso olhar o que é significativo para o clima e isso quer dizer reduzir efetivamente as emissões”, alerta Gabriela Savian, diretora adjunta de Políticas Públicas do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Segundo a diretora, uma política sólida de regulação das emissões brasileiras passa, necessariamente, por incluir a compensação pela manutenção e remoção de gases de efeito estufa, através da conservação das florestas e restauração florestal, assim como o fortalecimento da implementação das políticas públicas do Brasil.
“O controle das emissões advindas do desmatamento precisa ser incluído em uma estratégia maior de redução das emissões causadas pelo desmatamento e degradação das florestas, como REDD+, olhando para as oportunidades sinérgicas do mercado, pela via voluntária ou regulada. Desta forma, pelo menos metade das emissões brasileiras estariam endereçadas para a mitigação climática”, defende Savian.
REDD+ é a sigla para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. Segundo o conceito adotado pela Convenção de Clima da ONU e refere-se a um mecanismo que permite a compensação dos esforços pela conservação das florestas, com isso, evitam as emissões de gases de efeito estufa associadas ao desmatamento e degradação florestal. Posteriormente, a Convenção incluiu na sua definição atividades de conservação, manejo sustentável das florestas e aumento de seus estoques em países em desenvolvimento, componentes que deram origem ao REDD+. Recentemente, a regulamentação do Acordo de Paris previu a incorporação de créditos de carbono originados a partir do REDD+ no mercado de carbono.
Fortalecimento das políticas públicas - Sistemas Jurisdicionais de REDD+
No âmbito das políticas públicas de redução de emissões oriundas do desmatamento e da degradação, é importante valorizar os esforços que estão sendo feitos pelos estados da Amazônia Legal no desenvolvimento de seus sistemas jurisdicionais de REDD+. Esses sistemas jurisdicionais permitem que os subnacionais possam gerar créditos de carbono de alta integridade e promover a implementação de ações de garantia de salvaguardas socioambientais e ações relacionadas a economia de baixo carbono: agricultura de baixo carbono, pecuária sustentável, fortalecimento da agricultura familiar, manejo florestal, energia renovável, adaptação baseada em ecossistemas, dentre outros.
O REDD+ Jurisdicional apresenta vantagens na transversalidade das políticas públicas, enquanto mecanismo de financiamento climático, tem maior abrangência de proteção, menor risco de superestimação nos parâmetros técnicos de mensuração, redução de possíveis impactos pelo deslocamento do desmatamento para áreas não monitoradas. O IPAM vem atuando junto aos estados da Amazônia Legal no assessoramento técnico e estratégico na estruturação e implementação dos sistemas jurisdicionais de REDD+.
Direcionamento do mercado a créditos de carbono de alta integridade
Para direcionar o mercado a créditos com alta integridade socioambiental, o Guia de Integridade de Crédito Florestal Tropical (TFCI) foi desenvolvido para orientar empresas interessadas em adquirir créditos de carbono florestal no mercado voluntário, diferenciando-os por impacto, qualidade e escala.
Além de elencar os principais critérios de integridade do crédito, o guia traz uma série de orientações para empresas que as direciona a se comprometerem com uma meta para promover a transparência e garantir que os créditos comprados irão complementar, e não substituir, a descarbonização das empresas compradoras; realizarem procedimentos de due dilligence para garantir que os créditos adquiridos são, de fato, de alta integridade; entre outras.
O documento, disponível em cinco idiomas, é resultado de estudos, consultas e colaboração entre oito organizações, entre elas o IPAM. O próximo passo da iniciativa é engajar os diversos grupos de atores envolvidos na cadeia do crédito de carbono (governos nacionais e subnacionais, agências de certificação, empresas compradoras, desenvolvedores de projeto, entre outros) para aumentar o compromisso de compras de créditos de carbono de alta integridade e subsidiar a tomada de decisão das empresas, criando um ambiente de mercado favorável para estimular a demanda por esses créditos.
Valorização da floresta em pé
Além de propostas de regulação das emissões, projetos de compensação pela preservação dentro de propriedades rurais também devem ser estimulados. Em biomas como o Cerrado, por exemplo, grandes parcelas de vegetação nativa estão inseridas em fazendas e poderiam ser legalmente desmatadas pelos produtores.
Projetos como o Conserv, que compensa produtores rurais da Amazônia Legal pela conservação da vegetação nativa que poderia ser desmatada legalmente, se tornam caminhos promissores para a redução e regulação das emissões brasileiras. Além de reduzir as emissões decorrentes do desmatamento e da produção agrícola, a preservação de áreas naturais aumenta a produtividade rural e pode servir como fonte de renda extra para os produtores responsáveis pelo seu manejo.
Atualmente, o programa é responsável por evitar a emissão de 2,2 milhões de toneladas de CO₂ e protege mais de 20 mil hectares de vegetação nativa que poderiam ser legalmente derrubados. Ao todo, são 23 produtores envolvidos no projeto.
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