A Era Dourada e a Sombra Totalitária: A Fragilidade do Poder e o Triunfo da Retórica no Discurso de Posse - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

A Era Dourada e a Sombra Totalitária: A Fragilidade do Poder e o Triunfo da Retórica no Discurso de Posse



Ao observar o discurso inaugural de um líder que retorna ao poder, é inevitável notar o quanto a linguagem pode mascarar a realidade. Um discurso assim, permeado por promessas de grandiosidade, renascimento nacional e unidade, revela não apenas a força das palavras, mas também a sua capacidade de distorcer, reescrever e instrumentalizar a memória coletiva de uma nação.


O orador apresenta-se como o salvador de uma pátria corrompida, como alguém que enfrentou perseguições e emergiu mais forte, pronto para guiar o povo a um futuro glorioso. Essa narrativa, contudo, não é apenas uma expressão de vontade política; é um convite à aceitação de uma visão de mundo que repousa sobre a supressão das nuances e complexidades que definem a experiência humana em sociedade.


Ao descrever uma nação supostamente saqueada por forças internas e externas, o discurso não se limita a denunciar problemas concretos, mas cria uma oposição maniqueísta entre o "nós", virtuoso e legítimo, e o "eles", corrupto e decadente. Essa construção é perigosa, pois não busca resolver conflitos, mas eliminá-los por meio da negação do outro.


A exaltação de um retorno à ordem e à segurança carrega consigo uma promessa de controle absoluto sobre os desafios enfrentados pela sociedade. No entanto, há um paradoxo evidente: ao reivindicar autoridade suprema sobre as circunstâncias, o líder esquece que o poder, na sua essência, não reside no indivíduo, mas na capacidade de agir em conjunto. A promessa de restaurar grandeza muitas vezes ignora que grandeza não se constrói pela imposição unilateral, mas pela criação de espaços onde o pluralismo possa florescer.


Outro aspecto crucial desse discurso é a exploração do medo e da nostalgia. Ao pintar o presente como uma era de declínio e insegurança, o orador evoca um passado idealizado que talvez nunca tenha existido, mas que serve como um porto seguro para aqueles que se sentem ameaçados pelas incertezas do futuro. Essa estratégia retórica transforma o medo em instrumento de mobilização, tornando-o central para a legitimação do poder.


Por fim, a declaração de que "o impossível é o que fazemos de melhor" reflete um ideal de ação inflexível e individualista, desconsiderando a fragilidade inerente às instituições e à vida humana. Na busca pela vitória a qualquer custo, as complexidades do mundo são reduzidas a batalhas entre vencedores e perdedores, deixando pouco espaço para a reconciliação ou a construção coletiva.


O discurso, em sua essência, não é apenas um manifesto político, mas um retrato de como o poder se afirma em tempos de crise. Ele nos lembra que, quando a retórica é utilizada para obscurecer as realidades da condição humana, a verdadeira força de uma sociedade – a sua capacidade de conviver com a diversidade e o dissenso – corre o risco de ser suprimida. Assim, é essencial que continuemos atentos ao que se esconde nas entrelinhas das palavras, pois é nelas que o poder se revela mais claramente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages