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sábado, 1 de fevereiro de 2025

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À sombra do povo e do saber

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A morte de Sócrates. Jacques-Louis David, 1787.


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O caso de Lucélia Maria, uma mulher do Piauí que passou cinco meses presa por uma acusação falsa de envenenar crianças, expõe de maneira dramática a fragilidade da opinião pública e a facilidade com que a turba se torna juiz e carrasco. Lucélia era vizinha das vítimas e foi apontada como culpada sem qualquer evidência concreta. Durante o processo, além de perder sua liberdade, teve sua casa incendiada. Ao final, ficou provado que era inocente, mas o dano à sua vida já estava feito.


Recordei, ao ler sobre o caso de Lucélia, que não é de hoje que o povo se presta a esses atos. A tradição cristã nos lembra de que, entre Barrabás e Cristo, preferiram o ladrão. A história da filosofia nos sussurra que Sócrates, o homem que ousou confrontar a ignorância com perguntas, foi condenado à cicuta pelo mesmo público que o admirava. O padrão se repete: os grandes homens, os justos, os inocentes, são invariavelmente odiados, enquanto os canalhas, com suas promessas vãs, são amados pela turba.


E eis o grande paradoxo da democracia. O sistema que mais se aproxima de um ideal justo está, ao mesmo tempo, à mercê de sua maior fraqueza: a ignorância das massas. Em Atenas, como bem apontou Karl Popper, a democracia floresceu em meio a leitores, em um mercado onde o saber circulava como o pão na mesa. Mas aqui, em nossas terras tropicais, onde a leitura é um luxo e a educação é um privilégio para poucos, que chance tem a democracia de ser algo além de uma caricatura trágica?


Nas pequenas cidades do interior, como tantas do Brasil, a democracia enfrenta a agonia de ser conduzida por vereadores de oratória medíocre e prefeitos populistas, que desperdiçam recursos públicos em espetáculos barulhentos e vazios, servindo à população o que há de mais pernicioso: a ignorância travestida de cultura. Governados por homens que, como bem disse alguém, são amados justamente porque não valem nada, o povo perpetua um ciclo que corrói a própria democracia.


O caso de Lucélia Maria não é apenas um episódio isolado, mas um reflexo da tragédia maior: o desprezo pela razão e pela justiça em um sistema que depende de ambas para sobreviver. Sem leitores, sem reflexão, sem um povo disposto a questionar o que lhe é servido como verdade, a democracia transforma-se em sua própria caricatura.


Por fim, o mundo é confuso. De fato, a democracia moderna, baseada no indivíduo, é a menos pior das formas de governo. Pois, se a democracia direta é a tirania da opinião pública, manipulável por demagogos, a democracia representativa ainda nos oferece uma chance de resgate. Mas isso exige algo que ainda nos falta: a leitura, o pensamento crítico, e a coragem de dizer “não” à turba enfurecida. Sem isso, continuaremos condenando inocentes como Lucélia, enquanto aplaudimos os canalhas que nos governam.



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