Jurista explica consequências de decisão que pode tornar revistas íntimas ilegais: processos e condenações baseadas nesses procedimentos podem ser anulados
Julgamento do STF sobre revista íntima pode anular condenações - Rosinei Coutinho/STF
Em um julgamento que tem o potencial de redefinir os procedimentos de segurança em presídios brasileiros, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta quarta-feira (12/2), a análise da legalidade das revistas íntimas em visitantes de detentos. O caso, que ganhou repercussão geral, não apenas decidirá sobre a constitucionalidade dessa prática, mas também sobre a validade das provas obtidas por meio desse procedimento. “Caso seja aprovada a ilegalidade das revistas íntimas, não apenas as condenações resultantes de flagrantes baseados em revistas ilegais serão anuladas, mas também os processos em andamento deverão ser invalidados, por terem se originado de forma viciada, ilegal", explica Jacqueline Valles, jurista, membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), professora e mestre em Direito Penal.
O debate no STF gira em torno do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620, originado de um caso ocorrido no Rio Grande do Sul, onde uma mulher foi acusada de tráfico de drogas após ser flagrada com 96 gramas de maconha durante uma revista íntima no Presídio Central de Porto Alegre. A decisão do Supremo terá impacto direto em casos similares em todo o país.
A especialista ressalta que, no entendimento do relator, juiz Edson Fachin, a prática de revista íntima viola princípios constitucionais fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º da Constituição, e o princípio da intranscendência da pena, previsto no inciso XLV do artigo 5º. "O visitante de um preso não pode ser tratado como criminoso. A Constituição é clara ao estabelecer que a pena não pode passar da pessoa do condenado para os seus familiares na forma de tratamento indigno ou degradante, como é o caso da revista íntima nos presídios", argumenta a criminalista.
Jacqueline também destaca a desigualdade no tratamento do tema entre diferentes estados e ressalta que existe tecnologia para garantir a segurança nas penitenciárias, fazendo a revista de forma mais ágil. "Em São Paulo, por exemplo, utiliza-se o scanner corporal, um método seguro e digno. Não podemos combater o crime com práticas ilegais. Isso apenas fomenta mais criminalidade," afirma.
Cenário indefinido
O julgamento no STF, que já conta com votos divergentes, promete ser acirrado. Enquanto o juiz Edson Fachin defende a inconstitucionalidade da prática, considerando-a vexatória e ilegal, o juiz Alexandre de Moraes argumenta que a revista íntima pode ser realizada em situações excepcionais, desde que siga protocolos estritos. “É preciso ficar claro que não se pretende afrouxar as regras de segurança nas unidades, pelo contrário. O uso de scanner corporal permite uma eficácia maior nas revistas e agiliza o trabalho dos policiais penais, garantindo a dignidade das visitas”, comenta.
A decisão final do Supremo não apenas impactará os procedimentos de segurança nos presídios, mas poderá resultar na revisão de inúmeras condenações em todo o país. O caso levanta um debate sobre o equilíbrio entre segurança pública e direitos individuais. “O sistema prisional brasileiro está sucateado e é preciso investir para aumentar a segurança e reduzir a criminalidade dentro das unidades, mas isso não pode ser feito às custas da dignidade de pessoas que não cometeram crimes", completa a advogada.
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