O Teatro do Brasil na crítica de Lima Barreto - Blog A CRÍTICA
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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

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O Teatro do Brasil na crítica de Lima Barreto

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O ano finda, o Brasil segue. E como segue? O transeunte que cruza a cidade, de olhos abertos e passos lentos, vê o espetáculo de sempre: uma plateia de sorrisos contidos e cabeças inclinadas, a observar o desfile pomposo das fitas, medalhas e títulos que se entregam por toda parte. "O Brasil não tem povo, tem público", dizia Lima Barreto, e como o velho mestre estava certo! Aqui, a vida é teatro, mas teatro sem trama; é palco onde o ator nunca sai de cena, buscando aplausos fáceis e honrarias douradas.


Vejo, entre as sombras do Largo, um cavalheiro que ostenta sua comenda como se esta lhe concedesse a alma que falta. E ao lado, outro, mais jovem, mas igualmente vaidoso, gaba-se de seu recém-atribuído título, “um reconhecimento merecido”, ele diz. Os ouvintes, sem coragem de discordar, assentem com aquela cordialidade tão comum que esconde um vazio de ideias. O brasileiro, escreveu Lima, é “vaidoso e guloso de títulos ocos e honrarias chocas”. Não está em nossa natureza disputar ideias ou afrontar o poder; somos seguidores de procissão, preferindo as migalhas de um favor à grandeza da verdadeira liberdade.


O corporativismo reina soberano, amparado pelos conselhos de classe que protegem seus pares como muralhas inexpugnavéis. Advogados, por exemplo, não hesitam em ostentar o título de “doutor” como se fosse coroa de louros, mesmo quando a erudição que ele deveria simbolizar se limita à memória de códigos e normas. Nas festas do carnaval jurídico, essas honrarias são exibidas com a pompa de um desfile de escolas de samba, cada qual disputando o prêmio de maior extravagância.


À noite, o salão da política está cheio. Lá, cada discurso não é mais que eco de interesses e verbas secretas. A palavra “República” ressoa, mas que república é essa, senão a “do regime da corrupção”? Majestade e dignidade, essas qualidades que deveriam adornar o governo, parecem distantes como estrelas em uma noite encoberta. Em vez disso, o que temos? Um banquete — "uma vasta comilança", disse o velho Lima — em que os convivas disputam os próprios ossos que os poderosos lhes lançam. E àquele que se atreve a erguer a voz contra os festins, chamam-no de louco, como se a loucura fosse sempre um pecado e nunca uma virtude.


Mas não é apenas na política que a miséria se revela. O olhar do brasileiro, enxuto e polido, traz uma dor silente, como de quem não sabe ou não quer chorar. Entre as calçadas, as pessoas passam sem enxergar umas às outras, presas ao brilho fugaz de suas próprias esperanças. As grandes batalhas do espírito, aquelas que poderiam transformar esse cenário de apatia, não encontram campo para florescer. Tudo aqui, como escreveu o cronista, é comprado com dinheiro e títulos.


E assim seguimos, um país que parece temer a própria grandeza. A covardia mental e moral não é um destino inevitável, mas enquanto a vaidade e o apetite por distinções prevalecerem, permaneceremos presos ao papel de espectadores em um teatro onde o enredo nos escapa. Talvez — talvez! — o tempo traga um reformador que, com a coragem dos loucos, abale essas estruturas feitas de ouro falso. Por ora, resta-nos observar e escrever, pois, se nada mais, a palavra ainda tem o poder de iluminar as trevas.


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