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terça-feira, 18 de março de 2025

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A morte de Tancredo, o susto inesperado no início dos atuais 40 anos de democracia

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Celio Azevedo/Senado Federal


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Por Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP


Uma pequena multidão se aglomerava em frente ao Hospital de Base de Brasília, naquele 15 de março de 1985, eu inclusive. Lá dentro estava o presidente eleito Tancredo Neves, o primeiro civil que daria fim ao ciclo militar de mandatários ocupando o Palácio do Planalto desde abril de 1964. Reinava perplexidade diante do fato de que dentro daquele hospital estava internado, por mal ainda desconhecido, o veterano político que presidiria o retorno do País rumo à normalidade democrática.


Não lhe faltavam credenciais para essa caminhada. Político vivido e experimentado, discursara à beira do túmulo de Getúlio Vargas, em São Borja, no Rio Grande do Sul, quando o presidente gaúcho se suicidara em 1954, para não ser novamente derrubado pelos militares que já o haviam defenestrado após 15 anos de sua ditadura, em 1945, ao retornarem da Segunda Guerra Mundial. Naquele ano, foram estimulados para acabar com o longo período ditatorial de Vargas, em que, apesar do autoritarismo, criara a Consolidação das Leis do Trabalho – a CLT. Já em 1954, os militares e setores influentes da sociedade discordavam das cores nacionalistas da política econômica do gaúcho reeleito presidente em 1950.


“Canalhas, canalhas, canalhas”, bradara Tancredo contra o presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, em 1964, quando o herdeiro político de Vargas, João Goulart, foi destituído da presidência da República, em que substituíra Jânio Quadros, que renunciara em 1961, depois de uma fracassada tentativa de golpe de Estado, insinuando que se sentia obstaculizado pelos conservadores no Congresso.


O herdeiro de Getúlio orientou seu governo para concretizar reformas de base na estrutura social e econômica do País. Mas assumira como sucessor do renunciante Jânio Quadros depois de ceder a pressões, principalmente dos militares, para o País trocar o presidencialismo pelo parlamentarismo, um subterfúgio para amarrar-lhe as mãos. Tancredo Neves foi primeiro ministro do primeiro gabinete de ministros do período. Mas saiu do governo para poder se recandidatar a deputado federal. O fato é que vários gabinetes se sucederam, Goulart promoveu um plebiscito e reconquistou os poderes de presidente da República. Mas o avanço da polarização nas discussões sobre a adoção de reformas políticas inclinadas a favorecer a maioria da população e quebras nas hierarquias militares alimentaram uma reação conservadora e deu-se o movimento militar de 1964, que só se esgotou em 1985.


Tancredo Neves manteve-se como oposicionista na Câmara dos Deputados. Juntou-se ao Movimento Democrático Brasileiro – MDB, que mais tarde teve que incluir a palavra Partido no nome, passando a chamar-se PMDB. Quando o regime militar caminhava lentamente para uma abertura política, fundou o Partido Popular – o PP – que não subsistiu diante de incoerências do governo autoritário. Novamente pelo PMDB, Tancredo venceu as eleições para governador de Minas Gerais em 1982, adotando um discurso mais cuidadoso em relação ao regime, que já se enfraquecia principalmente em função de problemas econômicos.


O governador Tancredo fez questão de participar de todos os comícios da Campanha das Diretas, de norte a sul do Brasil, promovida pelo presidente do PMDB Ulysses Guimarães, da qual tive a honra de ser assessor de imprensa e acompanhar in loco por todo o País.


Sabia-se que ele seria candidato a presidente da República caso a campanha de Ulysses fracassasse e o País se inclinasse para as eleições indiretas. E não deu outra, pois seu nome era mais palatável ao regime e aos conservadores. No Colégio Eleitoral, no qual só votavam deputados e senadores, venceu a Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo, direitista que impusera sua candidatura aos militares como confiável para mudar o regime, sem mudá-lo na sua essência.


Palatável, mas decidido, Tancredo foi fiel ao seu passado de lutas. “Não vamos nos dispersar. Continuemos reunidos como nas praças públicas com a mesma emoção, a mesma dignidade e a mesma decisão. Se todos quisermos, dizia-nos, há quase duzentos anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, podemos fazer deste país uma grande nação. Vamos fazê-la”, conclamou ele, em 15 de janeiro de 1985, quando foi diplomado como presidente no Congresso Nacional. Fala que a Voz do Brasil – que eu dirigia na época, nomeado que fora como superintendente da então Empresa Brasileira de Notícias – colocou no ar durante várias dias no novo governo.


A agonia de Tancredo durou 35 dias, encerrada em São Paulo, no Hospital das Clínicas, para onde ele fora transferido de Brasília em busca de algum caminho de cura, que não foi encontrado. José Sarney, ex-presidente da Arena, ex-presidente do PDS, que abandonara o regime militar ajudou a viabilizar a candidatura de Tancredo, tomou posse.


Desde então, o Brasil vive um regime democrático que foi inaugurado com um susto, passou por uma Assembleia Constituinte para dar base legal aos novos tempos e aos trancos e barrancos permanece – resistindo a eventuais vieses autoritários que insistem em sobreviver como pirilampos perdidos no tempo.

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