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sexta-feira, 14 de março de 2025

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Lula e sua comunicação política: sobre picanhas e ovos

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Rodrigo Augusto Prando, Professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cientista Social, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp


O presidente Lula sempre foi um habilidoso comunicador e isso lhe favoreceu na condição de ator político. Sabidamente, Lula possui carisma, no sentido weberiano, vale ressaltar. Suas falas para multidões ou até para pequenos grupos ou com apenas um indivíduo costumam, como é característico, despertar e mobilizar sentimentos, afetos, paixões e desejos.
 

Nos dias que correm, Lula III apresenta o pior momento em termos de avaliação de seus mandatos. Há, inclusive, dados indicativos que segmentos do eleitorado, antes fiéis a Lula e ao PT (Partido dos Trabalhadores), como, por exemplo, eleitores do Nordeste e eleitores de baixa renda, avaliam mal o governo. Muitos jornalistas e analistas políticos afirmam – e boa parte com razão – que a esquerda tem sido atropelada pela comunicação política da direita e, não raro, dos discursos da extrema direita, seja nas redes sociais ou nas ruas. Vejamos.
 

O político, ao discursar, como nos ensina Patrick Chauraudeau, encontra três públicos distintos: os que concordam com ele e sua mensagem; os que não concordam; e os que estão em dúvida e podem ou não concordar. É perder tempo, energia e recursos dedicar-se aos que já concordam e com os que jamais concordarão, assim, costuma-se, racionalmente, buscar o convencimento daquela parcela que está em dúvida.
 

Hoje, com as redes sociais esse, por assim dizer, clássico tripé do discurso político ainda pode ser observado, todavia, o meio no qual a mensagem é divulgada é bastante distinto. Rememoremos que Lula, em sua trajetória, aprendeu a fazer política no sindicato, nas assembleias e, depois, nos discursos para trabalhadores no momento das greves e lutas sociais do país ainda sob a ditadura militar.
 

Posteriormente, o PT foi fundado e Lula não apenas discursava para um público que queria ouvi-lo (os trabalhadores e sindicalizados), mas, também, ampliou sua comunicação ao participar de debates eleitorais, entrevistas para os mais variados veículos de mídia e as consagradas campanhas eleitorais, com shows, apoio de artistas, lideranças políticas e sociais, intelectuais, entre outros.
 

O mundo hoje é outro. Nas redes sociais, especialmente, pululam discursos de ódio e estes são alavancados pelos algoritmos, essencialmente, pelo fato de mobilizar os sentimentos em detrimento da ponderação racional e de posições que, na política, se afastem dos extremismos. Mais do que isso: as redes impulsionam fake news, pós-verdades, negacionismos e teorias da conspiração, em um verdadeiro quadrilátero que pode esmagar a vida democrática.
 

Neste cenário, o governo Lula demandou mudanças e essas foram direcionadas para a comunicação política, mormente, após a fragorosa derrota e recuo do Planalto no caso do vídeo do Pix, do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). Assim, Sidônio Palmeira assumiu a comunicação e busca, até o momento, ao menos no ambiente comunicacional, tornar o governo mais proativo e não reativo, impondo sua agenda e ideias.
 

Mas existe, no entanto, uma realidade que se impõe e desgasta Lula e sua ação política: a insistente inflação dos alimentos. Lula, em campanha, prometeu picanha e, hoje, a população tem dificuldades de consumir ovos e tomar seu cotidiano cafezinho. Obviamente, que uma oposição antenada e que aprendeu a usar as ferramentas das redes tem conseguido, com ou sem fake news, desgastar um governo já combalido.
 

Lula, muitas vezes, é quem, crente de sua capacidade discursiva, acaba por derrapar em suas falas improvisadas e arroubos retóricos. O governo anunciou medida que zerou o imposto de importação de vários alimentos e, com isso, deseja impactar os preços e, ainda, diminuir a inflação. Economicamente, a medida levará tempo e não há garantias de preços menores, todavia, o importante, no caso, é apresentar-se como alguém que está agindo, lutando em prol do povo.
 

Em discurso em um assentamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), Lula afirmou que, além da redução dos impostos, poderia tomar “medidas mais drásticas”, sem especificar quais seriam. Bastou essa fala, provavelmente para arrepio e desgosto da equipe de comunicação, que muitos brasileiros e formadores de opinião, bem como atores políticos e operadores do mercado, trouxessem à tona a lembrança de medidas como “congelamento de preços”. Na história brasileira, ações drásticas no combate à inflação foram causadoras de episódios de desabastecimento e até cenários de desestabilização. De forma pedestre, vale enfatizar, o presidente asseverou que, por exemplo, as galinhas não ganham nada com o aumento do preço dos ovos.
 

Há que se ter, no governo ou na vida, atenção ao fenômeno da comunicação, levando-se em conta o emissor, a mensagem, o meio e o receptor. E sempre há espaço para melhorar neste campo.
 

Neste terceiro ano de Lula III, ao que tudo indica, o problema não é tanto de forma (comunicação) e sim de conteúdo (o que de concreto comunicar). Qual é, até aqui, a marca do terceiro mandato? O Governo FHC, por exemplo, deixou o legado de controle da hiperinflação e estabilidade da economia com o Plano Real; os dois mandatos de Lula foram de diminuição da extrema pobreza, incremento da classe média e sucesso em muitos programas sociais. Lula sabe que está devendo. Tanto sabe que, em reunião ministerial, cobrou de seus ministros e quer que 2025 seja um ano de entregas à sociedade brasileira.
 

O genial Chacrinha já dizia: “quem não se comunica, se trumbica”. Lula poderá se “trumbicar” e não será pela falta de comunicação e sim de picanha, ovos e café.

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