O Hospital do Seridó é o espelho baço da medicina em Caicó, um teatro onde se encenam, há décadas, as mesmas farsas. A região Seridó, enferma em sua própria essência, nunca padeceu de escassez de médicos na política; ao contrário, sempre os teve aos montes, empoleirados nos gabinetes das prefeituras. Mas esses senhores de branco, que juraram Hipócrates, reverenciam antes os orçamentos eleitorais e fazem da medicina não um sacerdócio, mas um alvará de influência. O hospital, que deveria ser reduto da ciência e da compaixão, serve antes como trampolim para candidaturas e moeda de troca na prateleira dos favores públicos.
O sujeito pretende se lançar candidato a vereador e vai logo se encostando no Hospital do Seridó para fazer a falsa caridade em forma de favores usando os serviços de saúde pública. O que se deve fazer, portanto, é retirar essas pessoas que se aproveitam do hospital para usá-lo como arma eleitoral e torná-lo um hospital de verdade. O Hospital do Seridó sempre foi a faculdade da demagogia de Caicó.
Mas eis que a realidade se impõe com sua crueldade sem retoques. A morte de um bebê de apenas trinta dias, aguardando vaga em UTI neonatal, fez com que o Ministério Público do Rio Grande do Norte, de olhos finalmente abertos, instaurasse um inquérito civil. No dia de ontem, esse mesmo órgão visitou o hospital e o que encontrou seria digno de uma novela de costumes, não fosse a tragédia tão concreta: a estrutura para atendimento neonatal existe, mas repousa, inerte, há mais de uma década, como um cenáculo abandonado.
Agora, a Prefeitura, que até então não via razão para agir, mobiliza-se para implantar uma Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Convencional. Mas o que significa essa pressa tardia? O inquérito instaurado pela 1ª Promotoria de Justiça de Caicó busca compreender por que uma estrutura, essencial para salvar vidas, jazia esquecida por doze anos. O prédio, com sua rede de gases medicinais e espaços adequados, continuava sem os equipamentos necessários, como se a saúde neonatal fosse um capricho e não uma urgência.
A própria Prefeitura, com a serenidade de quem admite um desatino corriqueiro, reconheceu que, desde 2013, o hospital dispunha de espaço adaptado para dez leitos de UTI neonatal. No entanto, nunca funcionou a contento, salvo por um breve instante durante a pandemia de Covid-19. Agora, sob o peso da tragédia, fala-se em implantar cinco leitos, mas sem previsão concreta de quando funcionarão.
O escândalo maior é a contradição que se desnuda sem pudor: enquanto não houve pressão pública e comoção, nenhuma providência foi tomada. De repente, a Prefeitura descobre os altos custos, os empecilhos, os planejamentos... Mas onde estava essa preocupação antes? Por que a engrenagem da saúde só se move ao estalo do horror?
E não se diga que falta eficiência à administração municipal. Quando se trata de eventos festivos, a presteza é notável. Por quinze anos já a Prefeitura se tornou uma empresa de eventos, nunca faltam verbas, estrutura e celeridade para as festas ridículas e analfabetas da cidade. Mas para salvar uma vida infantil, tudo se arrasta, tudo se posterga. Há nisto um contraste grotesco, um descompasso que não se pode aceitar sem indignar-se.
E assim segue o Seridó, com médicos nas prefeituras e política doente.
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