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segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Os arquitetos do Seridó não gostam de árvores



Não seria infame dizer — embora a infâmia, às vezes, seja grande mestra da verdade — que uma praça sem árvores no semiárido nordestino equivale, guardadas as proporções mecânicas, a um carro sem motor. Anda-se? Não. Move-se? Tampouco. Apenas permanece ali, imóvel, cumprindo a triste função de existir sem propósito. Pois bem: nossos arquitetos do Seridó, sujeitos engenhosos e sinceros, têm a curiosa habilidade de projetar praças onde o cimento é rei e o sol, imperador absoluto. Árvores? Uma vírgula botânica, um suspiro vegetal, raramente um ponto.


Esquecem-se, talvez por distração ou por filosofia, de que as praças nasceram para ser jardins públicos, e os jardins, para lembrar aos homens que, antes de inventar cidades, foram inventados pela natureza — e esta, como boa mãe, colocou-os sob a sombra generosa das árvores.


Mas essas criaturas — perdoe-me o leitor o uso do termo, que aqui emprega mais ironia que desprezo — aparentam não sair de casa durante o dia. Talvez imaginem que o sol do Seridó é uma metáfora, e não um astro que cozinha a pele com zelo profissional.


Quando caminhávamos pelas catingas, havia sempre o júbilo de encontrar um juazeiro: oásis verde no território árido, pai compassivo oferecendo água, sombra e silêncio. Ali descansávamos, ali respirávamos, ali reconhecíamos a poesia dura da Caatinga. Agora, porém, saímos de casa para sentar num banco de praça e... cozinhar ao sol de quarenta graus.


O cidadão seridoense, herói anônimo e resistente, merece melhor fortuna que esta: grelhar-se à vista de todos, como se fosse carne de feira.


Uma praça, aqui, deveria ter no centro um grande juazeiro, senhor de si, impondo respeito e distribuindo sombra como quem distribui conselhos aos mais jovens. Em torno dele, um anel sólido de árvores — craibeiras, oitis, ipês resistentes — formando muralha vegetal contra o calor e lembrando, com dignidade, que civilização não é sinônimo de cimento.


Praças de verdade não se constroem com cimento apenas: constroem-se com sombra, silêncio, pássaros, vento e a memória afetiva de um povo que aprendeu a amar cada árvore como quem ama um parente distante.


E convenhamos: se até o sol do Seridó respeita um juazeiro, por que não o fariam nossos arquitetos?

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