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quinta-feira, 4 de julho de 2013

“Crise urbana” no centro da insatisfação social

As diversas manifestações que aconteceram nas últimas semanas e que levaram milhares de pessoas às ruas iniciaram por um motivo: o reajuste no preço das tarifas do transporte público. No entanto, o problema da mobilidade faz parte de um contexto maior e outros cartazes que pediam por educação, saúde, moradia e reforma política também foram levantados nos protestos.
Especialistas como a urbanista e professora da USP Ermínia Maricato apontam que a insatisfação geral da sociedade vem da chamada “crise urbana”, que envolve as cidades e as disputas em torno dela.
“Nem tudo se resolve com melhores salários e distribuição de renda. Por exemplo, a localização da casa na cidade é uma disputa muito forte, a questão do transporte, a iluminação pública, são políticas públicas coletivas, e que não se resolvem individualmente”.
Concordando com a urbanista, Benedito Barbosa, da União dos Movimentos por Moradia, afirma que apesar dos investimentos governamentais em áreas sociais, políticas de transferência de renda e programas de habitação, o país não conseguiu “mudar a cara da pobreza”.
“Não diminuiu o processo de ‘favelização’ das cidades e nem o processo de ‘espraiamento’ das cidades e das regiões metropolitanas, ou seja, há uma ação constante de afastamento dos pobres dos centros mais ricos e dos centros de emprego.”
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2011 aponta que o crescimento populacional nas periferias de regiões metropolitanas do país é mais que o dobro das regiões centrais, inclusive com deslocamento de pessoas dos grandes centros para os municípios periféricos. Para o órgão, isso pode ser explicado pela alta dos preços nos imóveis das áreas centrais.
O Ipea aponta ainda que as pessoas de baixa renda têm se deslocado cada vez mais para longe dos grandes centros, ainda que a oferta do maior número de empregos continue nos núcleos regionais. Isso significa que a região de moradia do trabalhador está cada dia mais afastada de seu trabalho.
Disputa desigual
Para Ermínia Maricato, o atual modelo de crescimento ignora completamente as cidades. A aposta numa política de investimento imobiliário desenfreado e sem regulação dos governos municipais aumenta o preço dos imóveis nas regiões centrais, e obriga a população mais pobre a migrar para as periferias.
“Esse investimento imobiliário causa um aumento de 150% no preço do m² em São Paulo e 180% no Rio de Janeiro, entre 2009 e 2012. Isso empobrece toda a cidade. Tivemos de volta os despejos violentos, os incêndios em favelas, cujas evidências mostram que eles não são acidentais.”
Nesse sentido, Ermínia acredita que existe uma disputa sobre os investimentos nas cidades, em que opta pelo interesse público e coletivo ou pelos interesses de alguns grupos econômicos.
“A cidade não é só reprodução da força de trabalho, mas ela é também um produto. Tem muitos capitais que ganham dinheiro com a cidade. Então existe uma disputa fortíssima sobre os fundos públicos na cidade: vai se financiar o quê e aonde? Vai investir em transporte coletivo ou na mobilidade do automóvel?”
O estudo do Ipea demonstra que o Brasil investe onze vezes mais no transporte individual em detrimento do coletivo. Ermínia ainda observa que “ao priorizar o transporte individual, as pessoas ficam em média 2h45 no transporte coletivo por dia”.
Controle popular
O grande entrave para solução desses problemas, segundo a urbanista Ermínia Maricato, é o domínio dos grandes investidores sobre os poderes públicos. 
“Estamos sendo assaltados por obras que são completamente irracionais do ponto de vista da mobilidade urbana. Então, precisamos de um controle sobre o orçamento público, sobre as grandes obras para que elas sigam as diretrizes dos planos diretores das cidades.”
Nesse sentido, Ermínia coloca como urgente uma reforma política que impeça o financiamento privado das campanhas eleitorais, principal fator que submete os governos aos interesses econômicos.
Acrescenta ainda que já existe um arcabouço legal e institucional que poucos países em desenvolvimento têm e que precisam ser colocados em prática, mas que são impedidos pelos interesses privados.
“A maior responsabilidade pela aplicação da função social da propriedade, que é prevista na Constituição, no Estatuto das Cidades, em 99% dos planos diretores municipais, é de responsabilidade do município. Mas ela sumiu da agenda da sociedade. Isso não é problema só de governo. A sociedade precisa ir para a rua.”
De São Paulo, da Radioagência NP, Vivian Fernandes e Luiz Felipe Albuquerque.

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