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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A Alemanha em busca da sua outra Europa

A queda do comércio mundial, a mudança de destino das exportações germânicas e as dificuldades internas enfrentadas por Berlim explicam a intransigência de Angela Merkel e dos seus aliados. Berlim não se importa de apertar a corda aos terceiros que já não considera como sócios de interesse ou a quem dá preferência. 

Por Juan Torres López.

Foto de Christliches Medienmagaz
O futuro da Alemanha não será tão auspicioso, não lhe será tão fácil obter excedentes externos, os seus focos de interesse comercial vão deixar de estar nos seus sócios do euro. Foto de Christliches Medienmagaz

Os meios de comunicação e os centros de poder econômico e político da Europa tentam passar a ideia de que as dificuldades de chegar a um acordo com a Grécia provêm das exigências e das más práticas deste país e que é a posição do novo governo heleno que justifica o tratamento de intransigência que tem recebido pelos seus sócios europeus, com a Alemanha à frente.

A verdade é, no entanto, que a Grécia cumpriu todas as imposições da troika mas que estas demonstraram ser um completo fracasso para recuperar a economia, diminuir a dívida e melhorar a vida das pessoas, o que justificaria que se iniciasse um caminho diferente. Além disso, o que propõe o novo governo não é outra coisa senão encontrar fórmulas que permitam fazer frente a estes problemas de uma maneira mais efetiva e não fazendo ouvidos surdos aos compromissos anteriores, mas sim repensando-os. E a isso junta-se o fato de que para avançar o que a Grécia precisa é de um montante de recursos ou de uma generosidade realmente ínfimos se forem comparados com os que foram usados até agora nos bancos ou mesmo em economias bem mais prósperas, como a alemã. Tanto é assim, que até alguém tão pouco suspeito de simpatias pelo Syriza como o presidente Obama manifestou que o razoável seria não pressionar tanto a Grécia e ajudá-la a recuperar o crescimento.

Por isso acho que para entender a intransigência da senhora Merkel e dos seus aliados é necessário não tanto olhar para a Grécia mas sim precisamente para a Alemanha e para o que vem acontecendo na sua economia nos últimos tempos.

Muitas vezes os europeus não têm consciência de que a Alemanha não é um sócio mais, uma espécie de irmão mais velho e poderoso. Não. A Alemanha é bem mais que isso. É a quarta potência mundial, depois dos Estados Unidos, do Japão e da China e, sobretudo, é a segunda economia exportadora do mundo. Isto é, uma economia gigantesca, obrigada por isso a pensar principalmente em si mesma, e que precisa permanentemente dos mercados externos, o que significa que tem de condicionar qualquer outra das suas estratégias a ter uma posição adequada (isto é, de vantagem) no meio em que atua. Nos últimos dez anos, praticamente a metade do crescimento da sua economia dependeu das suas exportações líquidas. E acho que é nessa natureza da economia alemã que é preciso encontrar a razão da intransigência com que vem impondo os seus interesses na União Europeia e agora frente à Grécia.

Nesse sentido, há três fatores que neste momento estão a influir decisivamente na estratégia alemã.

Em primeiro lugar, o comércio mundial está a ressentir-se acentuadamente e não só com caráter conjuntural. Segundo um estudo recente de economistas do FMI e do Banco Mundial (Slow trade), em 2012-2013 cresceu menos de metade que nos 20 anos anteriores e abaixo do que cresce a economia mundial, o que não tinha ocorrido nas últimas quatro décadas. Isso significa que as economias exportadoras, como a alemã, vão ter nos anos vindouros muitas dificuldades para conseguir os mesmos ritmos de crescimento que em etapas anteriores.

Em segundo lugar, há que ter em conta que as exportações alemãs estão a mudar de destino nos últimos anos. Em 1990, 50% destinava-se aos países que agora formam a zona euro e em 2014 só 40%. O crescimento médio anual registrado nas suas exportações para a Eurozona desde o ano 2000 (4,5%) é justamente a metade do aumento das destinadas a outras zonas, como a Europa central (9%) ou Ásia (10%). A Alemanha, portanto, está a começar a ter outros sócios comerciais preferenciais.

Em terceiro lugar, há que considerar também que a própria situação interna da economia alemã está a mudar. Outro artigo publicado em dezembro passado pelo departamento de investigação do Banco Nacional de Paris (BNP) Paribas (Inflexible Allemagne) mostrou que, além de problemas futuros devido à queda do comércio internacional, a Alemanha se encontra diante de dois reptos internos de grande envergadura. O primeiro, o envelhecimento crescente da sua população, que o converteu no segundo país do mundo (depois do Japão) com mais percentagem de população com mais de 65 anos, 21% – certamente por ter dificultado muito a compatibilidade entre a maternidade e o desenvolvimento da carreira profissional das mulheres –. Um fator que pode dar origem, entre outras coisas, a uma queda muito forte da sua taxa de poupança interna nos próximos anos.

Além disso, a Alemanha vem descuidando nos últimos anos o investimento interno – o privado caiu 7 pontos nos últimos 20 anos e o dedicado a infra-estruturas públicas é 30% menor que a média da OCDE –, o que faz que hoje em dia tenha carências muito importantes. Segundo este estudo do BNP Paribas, o fosso acumulado de 1999 a 2012 entre a taxa de investimento observada e a ótima seria 40% do PIB. A isso junta-se o fato de ter dedicado os excedentes obtidos nas últimas décadas ao investimento externo – em grande parte para financiar bolhas especulativas noutros países – descuidou o seu rendimento interno, o que também levou a que a taxa de pobreza atingisse um novo recorde em 2013: atingia 16,1% da população, 69% dos desempregados, 35,2% dos monoparentais e 5,7% dos rapazes e raparigas.

O que está a acontecer, portanto, é que o futuro da Alemanha não será tão auspicioso, que não lhe será tão fácil obter excedentes externos, que os seus focos de interesse comercial vão deixar de estar nos seus sócios do euro – os quais parece já ter espremido totalmente –, e que vai ter de dedicar muito mais atenção do que até agora aos seus problemas e às exigências de investimento interno.

A Alemanha não vai tomar a iniciativa de romper o atual statu quo do euro porque isso seria visto como uma agressão em toda a linha ao projeto europeu. Vai sim impor com mais rigidez que nunca as condições aos terceiros que já não considera sócios de interesse ou a quem dá preferência. E não se importará, portanto, em apertar-lhes a corda até não terem outro remédio senão render-se ou autoexcluir-se do euro. A Alemanha já olha principalmente para um novo eixo europeu de referência com a França e a Polónia. É por isso que países como Grécia, Espanha, Portugal, Chipre ou mesmo Itália não esperam bons tempos dentro do euro. O sensato seria que todos eles começassem a pensar se se conformam com o papel de convidados de pedra ou simples comparsas de um euro desenhado a favor da Alemanha, ou se têm em comum algo mais do que serem desprezados por esta grande potência.

23 de fevereiro de 2015

Publicado no Público.es

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

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