No dia 18 de outubro, até as 18h,
a energia hidráulica respondia por 62,5% da geração do Brasil, as
térmicas, por 24%, e eólicas, 9,6%, segundo dados do ONS, o Operador
Nacional do Sistema Elétrico. O acumulado à mesma hora, no Nordeste,
revelava uma surpresa: eram as eólicas as responsáveis por mais da
metade da geração (51%) na região, seguidas pelas térmicas (32%)
enquanto a energia hídrica aparecia com modestos 14%. Este perfil
energético único no país, provocado pela forte seca que deprime os
reservatórios pelo quinto ano consecutivo e pela forte entrada de
projetos eólicos na região, chamou a atenção da direção da Empresa de
Pesquisa Energética (EPE), que observa que o Nordeste tornou-se um
laboratório de introdução de energias renováveis na matriz brasileira.
“O Nordeste tornou-se um espelho do futuro do Brasil”, disse Luiz
Augusto Barroso, presidente da EPE, durante o workshop “O Futuro do
Setor Elétrico – segurança e flexibilidade nos contextos de Brasil e
Alemanha”, no Rio.
O desenvolvimento clássico do setor, baseado em projetos de
envergadura, como os 11 mil MW da usina de Belomonte, “deixam o sistema
pouco robusto a atrasos”. Projetos de energias renováveis por seu lado,
com algumas centenas de MW, comprometem menos o sistema e são mais
acessíveis a investidores. “O futuro é renovável e temos que permitir
que a regulamentação não seja obstáculo para que isso ocorra. É um salto
grande de onde estamos para onde queremos chegar”, prosseguiu Barroso.
Nos últimos anos, a escassez hídrica contribuiu para modelar o perfil
energético do Nordeste. “Um sistema como o nosso está adequado aos
desafios do futuro?”, questionou Marcelo Prais, assessor da diretoria
geral do ONS. Há grande potencial solar nas proximidades da usina de
Sobradinho, na bacia do rio São Francisco, por exemplo. Da produção
eólica no Nordeste, 70% está na costa, com ventos constantes, e 30% ao
sul, com ventos em rajadas.
É por isso que, no Nordeste, adiantou Barroso ao Valor,
estão em curso estudos sobre os impactos da mudança climática e da
vazão dos rios, em cooperação com o ONS, a Agência Nacional de Águas
(ANA) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Um esforço também é aprender com a experiência de países que estão na
dianteira da descarbonização, como Alemanha, Espanha, Itália e
Dinamarca. “Temos ainda muitos desafios na Alemanha. Podemos estar um
passo adiante em algumas questões, mas ainda não temos todas as
respostas”, disse Markus Steigenberger, vice-presidente da Agora
Energiewende, “think tank” alemão que atua na transição energética do
país.
“Se se olhar o mapa da irradiação solar na Alemanha, dá vontade de
chorar. Em novembro não há Sol nem venta muito”, seguiu Steigenberger,
para quem a concepção de que energia solar e eólica são intermitentes e
instáveis é conceito antigo. “Acontece uma mudança de mentalidade, mesmo
na Alemanha. Se antes o operador tinha que interferir no sistema apenas
uma vez ao dia, hoje tem que interferir três. Mas não há problema.
Aprendeu-se como fazer isso.”
Um dos pontos em debate agora na Alemanha é o fato de o país
continuar dependente de carvão. O país da “Energiewende” eliminará o
nuclear e impulsiona as renováveis, mas não conseguirá cumprir a meta
climática de reduzir emissões em 40% até 2020, em relação a 1990. O
sistema alemão é baseado no preço das diferentes fontes de energia. Por
isso, o carvão, mais barato e poluente, tem prioridade sobre o gás
O mercado europeu de crédito de carbono está com preços muitos baixos
(EUR 5 por tonelada de CO2) e falha na regulação, diz o especialista. O
Reino Unido estabeleceu preço mínimo para o carbono (cerca de EUR 30 a
tonelada de CO2) e consegue reverter a tendência. A França propõe algo
similar. Mas na Alemanha, o lobby da indústria e dos sindicatos de
trabalhadores do setor de carvão resiste a mudanças.
No Brasil, a mudança climática tem outros agravantes. Um deles é a
quantidade de água para resfriar termelétricas em instalação, disse
André Ferreira, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). Uma
usina pode consumir tanta água quanto uma cidade de 100 mil habitantes.
“O futuro é de baixo carbono e a questão é como vamos chegar lá”, disse
Ana Toni, diretora do Instituto Clima e Sociedade (iCS).
Fonte: Cerne
Nenhum comentário:
Postar um comentário