Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Houve uma grande redução da extrema pobreza do mundo e, ao mesmo tempo, uma melhora nas condições demográficas da população mundial, entre 1820 e 2015, segundo o site “Our World in Data”, que é um projeto da Universidade de Oxford (os dados estão disponíveis gratuitamente na Internet).
O gráfico abaixo mostra que a população mundial era de 1,08 bilhão de habitantes em 1820, com 1,02 bilhão vivendo na extrema pobreza (representando 94% da população total) e 60,6 milhões vivendo acima da linha da extrema pobreza (representando 6% do total). Em 1970, a população mundial passou para 3,69 bilhões de habitantes, sendo 2,2 bilhões na extrema pobreza (60,2%) e 1,47 bilhão de pessoas acima da linha da extrema pobreza (39,8%). Mas a partir de 1970 a população total cresceu muito, enquanto a parcela populacional vivendo na extrema pobreza caiu rapidamente.
Em 2015, a população mundial chegou a 7,35 bilhões de habitantes, com 6,6 bilhões (89,8%) acima da linha da extrema pobreza e 705,6 milhões de pessoas (10,2%) vivendo na extrema pobreza. Em resumo, a extrema pobreza caiu de 94% do total populacional, em 1820, para 10% em 2015. Fato extraordinário.
A significativa redução da extrema pobreza global foi acompanhada pela melhoria dos indicadores demográficos. A mortalidade na infância (0 a 5 anos) atingia 43,3% das crianças em 1800 (56,7% sobreviviam após os 5 anos). Em 1900, a mortalidade na infância ainda era de 36,2% e caiu para 4,2% em 2015 (com 95,8% das crianças sobrevivendo após os 5 anos), conforme mostra o gráfico abaixo.
A esperança de vida ao nascer da população mundial estava abaixo de 30 anos no século XIX, chegou a 34,1 anos em 1913 e soltou para 71,4 anos em 2015. No século XIX, a esperança de vida ao nascer na África estava em torno de 26 anos e da Europa em 35 anos. Em 2015, a esperança de vida ao nascer da África passou para 60 anos e da Europa chegou a 80,6 anos.
O progresso humano foi realmente impressionante. Nunca na história da humanidade houve uma redução tão grande da pobreza e nunca as condições demográficas foram tão favoráveis. Estes dois fenômenos estão relacionados, pois a redução da mortalidade na infância e o aumento da esperança de vida ao nascer prolongam o tempo de vida ativa dos indivíduos, o que tem um grande efeito positivo na economia. Como estes ganhos demográficos foram acompanhados pela transição da estrutura etária, houve a geração de um bônus demográfico que, quando bem aproveitado pelos diversos países, propiciou uma grande melhoria no padrão de vida de algumas populações nacionais, especialmente nas nações que conseguiram investir em educação, saúde e nos direitos de cidadania. Cabe destacar que a China tirou mais de um bilhão de chineses da pobreza extrema nos últimos 40 anos. A média da população mundial se beneficiou.
Não é objetivo deste artigo abordar o lado negativo do processo de desenvolvimento. Mas não se pode deixar de registrar que o progresso humano ocorreu às custas do retrocesso ambiental. Enquanto as populações humanas, umas bem mais do que as outras, tiveram inquestionáveis ganhos, o meio ambiente só teve perdas e danos. Houve degradação dos solos, acidificação dos oceanos, perda de biodiversidade, aumento da emissão de gases de efeito estufa e eutrofização, que é o processo através do qual um corpo de água adquire níveis altos de nutrientes (fosfatos e nitratos), provocando o acúmulo de matéria orgânica em decomposição. O sucesso humano está ocorrendo paralelamente à 6ª extinção em massa das espécies e à aniquilação biológica.
Por conta disto, a Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas (FAO/ONU) fez um alerta sobre os perigos das alterações climáticas, que podem provocar a miséria de milhões de pessoas nas próximas décadas. O diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, afirmou que: “A menos que sejam tomadas medidas agora para tornar a agricultura mais sustentável, produtiva e resiliente, os impactos das alterações climáticas vão comprometer gravemente a produção alimentar em países e regiões que já enfrentam uma alta insegurança alimentar”.
Artigo de Samberg (18/10/2017) mostra que o número de pessoas passando fome ou subnutridas, que estava diminuindo bastante até 2015, voltou a subir em 2016, em função das mudanças climáticas e das guerras (como no Iraque, Iêmen, Somália, etc.). A guerra na Síria e a destruição de Porto Rico por um furacão são exemplos de fenômenos que influenciam no retorno da pobreza.
Ou seja, o passado foi bom para a média da população mundial. Mas o futuro pode não ser tão positivo para o bem-estar humano como foi, especialmente, o período entre 1970 e 2015. Se o rumo do desenvolvimento da economia internacional não for alterado, o colapso ambiental pode trazer grande sofrimento para a humanidade, reverter conquistas recentes e gerar um colapso civilizacional.
Referência:
Leah Samberg. How Climate Change and Wars Are Increasing World Hunger, Ecowatch, 18/10/2017
Our World in Data
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/11/2017
Me pergunto como seriam esses números sem usar percentual..
ResponderExcluirOk, percentualmente a extrema pobreza diminuiu.. mas e a quantidade de pessoas na extrema pobreza?