Foto: Murilo Gurjão Silveira Aith*
Murilo Gurjão Silveira Aith*
No último dia 31 de agosto, o Governo Federal apresentou o projeto da LOA (Lei Orçamentária Anual) ao Congresso Nacional, em que propõe cortar R$12,5 bilhões do total anteriormente previsto. Segundo líderes do Executivo, a justificativa para a redução do orçamento anteriormente previsto em R$ 897,7 bilhões para R$ 885,2 bilhões poderia gerar economia de até R$20 bilhões.
Ao ser questionada pela mídia, a Ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, sustentou que “o Tribunal de Contas da União falou que, de R$ 1 trilhão de benefícios, pode ter algo em torno de 10% de erros ou fraudes. Se ficarmos com 1% de R$ 1 trilhão, ou 2% de R$ 1 trilhão nessa lupa que temos e que iremos fazer em relação às fraudes e erros do INSS, são exatamente entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões que nós precisamos e temos que fazer para recompor o orçamento de todos os ministérios, que teriam em um primeiro [momento] uma perda de 2023 para 2024”.
Ocorre, contudo, que o governo ainda não apresentou, com precisão, os parâmetros de tal redução. A rigor, desidratar, de forma descriteriosa, o orçamento dos gastos sociais não contribui com a diminuição dos erros ou o combate às fraudes.
É incoerente crer que, se a análise e a fiscalização de benefícios já são péssimas (morosas/equivocadas), reduzir o orçamento seria uma saída hígida. Em sentido contrário, naturalmente, destinar adequadamente a verba abatida certamente seria mais eficiente no combate aos erros e fraudes do que, simplesmente, suprimi-la do orçamento.
Economistas alertam que, da forma como está sendo feito, o corte de gastos poderia abrir precedentes para mais irregularidades.
Subestimar despesas sociais pode resultar em prejuízos inimagináveis a longo prazo. Porém, na mentalidade do governo, é mais fácil transferir a conta para as partes mais vulneráveis em um momento superveniente (os aposentados). Não se afigura justo, tampouco razoável, deixar que os aposentados sofram com mais reformas por conta da desídia governamental na gestão pública, pois tal parcela da população já cumpriu sua função social pelo progresso do país e não merece ficar à mercê do bel-prazer da classe política – que, diga-se de passagem, prefere enxugar gastos de cunho social para aumentar suas mordomias.
Decerto, o alto escalão pode ser considerado intocável, afinal, é um lobby forte por estar sempre no controle das políticas públicas e do erário. Sempre relevante rememorar que o déficit previdenciário existe porque todas as receitas/contribuições não são destinadas ao Fundo do RGPS. Além disso, o INSS prefere prejudicar os aposentados (parte mais fraca) na medida em que, sorrateiramente, restringe os seus direitos na via administrativa.
O Estado, de uma forma geral, acredita que economizará mais ao cassar os direitos dos aposentados do que executar grandes empresas devedoras das contribuições, incentivando a desconfiança e aumentando o descrédito do sistema previdenciário.
Em modesta avaliação panorâmica, por qual razão as futuras gerações deveriam contribuir? Apenas seriam bombardeados, no final da vida, com tantos desrespeitos e injustiças. Não bastando o desazo estatal, os aposentados enfrentam, ainda, o desprezo judicial, porquanto precisam suplicar boa vontade ao Judiciário para assegurar direitos que sempre lhes pertenceram, enquanto a autarquia abusa de recursos apenas para retardar a tramitação processual.
Um exemplo recente é o julgamento da Revisão da Vida Toda (Tema nº. 1.102/STF), tese em que se discute um direito garantido pelo Legislativo desde a década de 90 e foi assegurado (de forma vinculante) pelo STF no ano de 2013 (Tema nº 334/STF – direito ao melhor benefício).
Em síntese, a ação versa sobre a aplicação da regra permanente do art. 29, I, da Lei nº 8.213/91 – que leva em consideração todo o período contributivo do segurado no momento da confecção dos cálculos do salário-de-benefício e da RMI do benefício previdenciário – em vez da regra de transição do art. 3º da Lei nº 9.876/99 (a qual limitava o PBC à 07/1994). Visando fulminar toda e qualquer controvérsia, o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria da ministra Ellen Gracie, entendeu em Plenário, que deve ser preservado o direito ao melhor benefício (Tema nº. 334). Vejamos o precedente: “Para o cálculo da renda mensal inicial, cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais para a aposentadoria, respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas”.
Nesse diapasão, percebe-se que, desde 2013, o INSS continua afrontando decisões vinculantes firmadas pelo crivo dos repetitivos e em Plenário, não se importando com eventuais consequências (criminais e administrativas). Em perfunctória análise, percebe-se que a Revisão da Vida Toda, nada mais é do que a mera reafirmação do direito ao melhor benefício. Os votos proferidos pelos próprios ministros no Tema (1.102/STF – em 01/12/2022) corroboram tal afirmação: a) ministro Relator Marco Aurélio de Mello: “O Supremo, no julgamento do recurso extraordinário nº 630.501, acórdão por mim redigido, veiculado no Diário da Justiça eletrônico de 26 de agosto de 2013, reconheceu o direito do segurado ao recebimento de prestação previdenciária mais vantajosa entre aquelas cujos requisitos cumpre.
Estamos tratando de regras que passaram pelo legislativo, pela Suprema Corte e, novamente, o caso retorna ao Plenário apenas para “reafirmar” o direito. Não há palavras para definir o comportamento da autarquia, Rui Barbosa e a velha guarda estariam aos prantos diante da imensa violação de princípios/garantias carimbada pelos governos (eleitos, diga-se de passagem, pelo povo).
De toda sorte, permanecemos confiantes de que os Ministros remanescentes no julgamento da Revisão da Vida Toda não admitirão os vilipêndios cometidos pelo INSS e esperamos, ainda, que o governo discrimine – de forma assertiva – os requisitos e fundamentações que resultaram na mais recente “tesourada” dos gastos sociais sob o pretexto de que resultaria em “melhorias” ao combate de irregularidades/fraudes.
*Murilo Gurjão Silveira Aith é advogado e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados
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