*Vivy Corral
Vamos falar a verdade: quem nunca suspirou quando o Sr. Darcy anda até Elizabeth com o sol da manhã atrás dele e simplesmente confessa seu amor com o rabinho entre as pernas?
O enemies to lovers, ou "de inimigos a amantes", não é uma trope nova, como os fãs de Orgulho e Preconceito (1813) bem sabem. Há séculos nós nos deliciamos com aquele mocinho rico que não sabe se comunicar direito e acaba pisando no calo da mocinha que não leva desaforo para casa. Farpas voam por todos os lados até se transformarem em fagulhas e, inevitavelmente, pelo menos um deles precisa dar o braço a torcer.
A verdade é que esse "amor e ódio" está enraizado na cultura pop. Em E o Vento Levou (1939), Scarlett e Rhett vivem se provocando; no rocambolesco e divertidíssimo Abaixo o Amor (2003), os personagens de Renée Zellweger e Ewan McGregor querem mais é passar a perna um no outro, assim como 10 Coisas que Odeio em Você (1999). O livro Vermelho, Branco e Sangue Azul (2019) conquistou tanta gente que foi parar no streaming.
E não posso deixar de comentar meus favoritos: os animes. Em Diários de uma Apotecaria (2023), Jinshi enfurece a pragmática Maomao, que só quer trabalhar, fazer seus venenos e não morrer (literalmente, já que ela é funcionária de um palácio real). Já Kaguya-sama: Love is War (2019) é outra pérola onde personagens com egos enormes transformam o romance em campo de batalha.
Tudo isso para dizer que, apesar da viralização atual, o plot não é recente.
Mas por que, especificamente na era da maratona de séries, ele se tornou tão dominante? A resposta reside menos no romance em si e mais na arquitetura da tensão narrativa.
Vamos ao básico: casais felizes e estáveis não geram conflito e, sem conflito, não há história. O enemies to lovers resolve essa questão entregando o nível máximo de tensão possível. Ao colocar protagonistas em posições opostas, seja por rivalidade profissional, guerras de clãs ou simples preconceito, o roteirista cria um campo magnético imediato. O espectador escolhe um lado, e isso o gruda na tela.
O ódio e o amor são sentimentos de alta intensidade. Diferente do amor à primeira vista, que exige uma suspensão de descrença imediata, o ódio exige convivência. Para brigar, os personagens precisam interagir. Essas interações, carregadas de subtexto e tensão sexual não resolvida, criam ganchos poderosos ao final de cada episódio. É a promessa de que a barreira vai quebrar que nos deixa sem piscar.
O sucesso técnico, porém, reside no "conflito de valores". Para que o inimigo se torne o amante, o protagonista é obrigado a rever suas próprias crenças. Ele precisa admitir que estava errado sobre o outro e, consequentemente, sobre si mesmo. Essa vulnerabilidade forçada gera uma jornada de amadurecimento robusta e identificação imediata. Afinal, quem nunca precisou engolir o orgulho?
Aí está a mágica final: a catarse de ver o outro, visto como inimigo em um mundo tão polarizado quanto as famílias de Romeu e Julieta (1597), tornar-se o objeto de afeto. É a construção de uma ponte que, no fundo, todos nós queremos cruzar, ou queremos que alguém cruze, com o sol nas costas e dizendo "te amo ardentemente, Elizabeth".
*Vivy Corral é formada em Cinema pela FAAP e autora do livro “O amor come espaguete”.


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