O Novo Marco Legal do Saneamento Básico e a necessidade de adequação dos contratos de programa - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

O Novo Marco Legal do Saneamento Básico e a necessidade de adequação dos contratos de programa



*Por Bruna Paranhos


O Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020) representa um divisor de águas na estrutura regulatória do setor no Brasil. Seu principal objetivo é universalizar o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário até 2033, estabelecendo metas ambiciosas: 99% de cobertura de abastecimento de água e 90% de coleta e tratamento de esgoto em todo o território nacional.

Contudo, para que essas metas sejam atingidas, tornou-se indispensável a adequação dos contratos de programa firmados entre os municípios e as companhias estaduais de saneamento, instrumentos historicamente utilizados para prestação de serviços públicos de forma direta, sem licitação.

1. A ruptura com o modelo anterior

Antes da promulgação da Lei nº 14.026/2020, a Lei nº 11.445/2007 permitia a celebração de contratos de programa entre entes federativos, baseados em cooperação e gestão associada. Esses contratos, porém, frequentemente careciam de metas objetivas, indicadores de desempenho e mecanismos de fiscalização — o que resultava em baixa eficiência operacional e pouca transparência na execução dos serviços.

O novo marco legal impõe requisitos técnicos e jurídicos mais rigorosos, demandando comprovação de viabilidade econômico-financeira, definição de metas de universalização, e fiscalização regulatória efetiva. Tais exigências visam assegurar que o prestador tenha capacidade comprovada para atingir os resultados contratualmente estabelecidos.

2. Prazo e implicações jurídicas

A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) fixou o prazo até 31 de março de 2026 para que todos os contratos de programa em vigor sejam readequados aos parâmetros do novo marco. Após essa data, contratos não ajustados poderão ser considerados irregulares, sujeitando-se à rescisão e à necessidade de nova licitação pública.

Do ponto de vista jurídico, isso significa que a inércia municipal pode caracterizar omissão administrativa, sujeitando o gestor público a responsabilização por dano ao erário e violação aos princípios da eficiência e da legalidade administrativa. Além disso, a manutenção de contratos desatualizados compromete a segurança jurídica do setor, afastando investidores privados e dificultando a regionalização dos serviços.

3. A importância da readequação contratual

A adequação contratual deve contemplar cláusulas específicas sobre:

  • Metas quantitativas e qualitativas de universalização;
  • Indicadores de eficiência e qualidade do serviço;
  • Mecanismos de fiscalização e transparência;
  • Revisão periódica e equilíbrio econômico-financeiro;
  • Previsão de investimentos e fontes de custeio.

A ausência desses elementos fragiliza a governança dos contratos e perpetua desigualdades regionais. Estudo do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS 2023) indica que 35 milhões de brasileiros ainda vivem sem acesso à água tratada, e quase 90 milhões não têm coleta de esgoto — o que reforça a urgência de reformular os instrumentos contratuais que sustentam o sistema.

4. Desafios e caminhos possíveis

A principal dificuldade está na capacidade técnica e jurídica dos municípios, especialmente os de pequeno porte, para revisar contratos complexos. Nesse contexto, consórcios intermunicipais e parcerias regionais surgem como alternativas viáveis para otimizar recursos e promover conformidade regulatória.

A atuação coordenada entre entes públicos, agências reguladoras e prestadores de serviço será determinante para que o país avance rumo à universalização. O novo marco não se limita à modernização legislativa — ele exige uma mudança estrutural de mentalidade, em que eficiência, controle social e transparência sejam os pilares do saneamento básico brasileiro.

 

Sobre Bruna Paranhos

Bruna Paranhos é advogada formada em Direito desde 2010, com atuação especializada no setor de saneamento básico. Trabalhou por mais de quatro anos em uma companhia de saneamento responsável por 317 municípios do Estado do Rio Grande do Sul, tanto na gestão estatal quanto após o processo de privatização.

Sua experiência prática envolve contratos de programa, regulação de serviços públicos, estruturação jurídico-institucional e adequação ao Novo Marco Legal do Saneamento. Bruna atua na análise e reestruturação contratual de municípios e companhias prestadoras, orientando processos de regionalização, governança e conformidade regulatória no setor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages