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quinta-feira, 28 de março de 2024

Daniel Kahneman, psicólogo que “inventou” a economia comportamental, morre aos 90 anos



Hugo Garbe, Professor Doutor em Ciências Econômicas do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).


Desde que conheci a economia comportamental, eu fiquei apaixonado. O tema “me persegue” insistentemente. O fato de ter descoberto que os seres humanos realizam escolhas econômicas não racionais, isso em grande parte do tempo, parece óbvio, mas quebrou um paradigma de 200 anos de ciência econômica.
 

O “inventor” da economia comportamental foi Daniel Kahneman, um psicólogo israelense-americano, autor de best-sellers, que faleceu no último dia 27 de março, aos 90 anos.
 

Com uma pesquisa ganhadora do Prêmio Nobel e que revolucionou a economia — assim como diversos outros campos, do esporte à saúde pública —, o psicólogo foi pioneiro ao demonstrar a extensão em que as pessoas abandonam a lógica e se precipitam em conclusões.
 

O estudo do Dr. Kahneman é amplamente conhecido por desbancar a noção do homo economicus, o "homem econômico", que era considerado, desde Adam Smith, como um ser racional que age movido por seu próprio interesse. Contudo, Dr. Kahneman descobriu que as pessoas dependem de atalhos intelectuais, levando-as frequentemente a decisões equivocadas e contrárias aos seus próprios interesses. Tais decisões ocorrem porque os seres humanos são impactados excessivamente por acontecimentos recentes. "Eles são rápidos demais para tirar conclusões em algumas condições e, em outras, são lentos demais para mudar", disse uma vez o psicólogo.
 

Em 2022, quando ganhou o Prêmio Nobel Memorial em Ciências Econômicas, Dr. Kahneman estava vinculado à Universidade de Princeton. Ele compartilhou a honraria com Vernon L. Smith, da Universidade George Mason, na Virgínia, pioneiro no uso de experimentos de laboratório em economia.
 

Com uma visão pessimista sobre a capacidade das pessoas de raciocinar para resolver problemas, o psicólogo afirmou em seu popular livro de 2011, "Pensar, Rápido e Devagar": "Muitas pessoas são excessivamente confiantes, propensas a confiar demais em suas intuições”.
 

Boa parte da carreira de Dr. Kahneman foi ao lado do psicólogo Amos Tversky, a quem ele disse dever grande parte do crédito por seu trabalho premiado. Mas Tversky faleceu em 1996 e o Nobel nunca é concedido postumamente.
 

Ambos eram netos de rabinos lituanos ateus e estudaram e lecionaram na Universidade Hebraica de Jerusalém. Sua amizade de três décadas e colaboração próxima, registrada no livro de 2016 de Michael Lewis, "O Projeto Desfazer", era um estudo de opostos. Segundo Lewis, Tversky era a alma da festa; Dr. Kahneman nunca comparecia. Tversky tinha um lápis mecânico em sua mesa e nada mais; o escritório de Dr. Kahneman estava cheio de livros e artigos que ele nunca terminou. Eles trabalhavam tão de perto que jogavam uma moeda para decidir de quem seria o primeiro nome em um artigo ou livro.
 

Sua pesquisa ajudou a estabelecer o campo da economia comportamental, que aplica percepções psicológicas ao estudo da tomada de decisão econômica, mas também teve um efeito de longo alcance fora da academia. Foi creditada por mudar a forma como olheiros de beisebol avaliam perspectivas, governos formulam políticas públicas e médicos chegam a diagnósticos médicos.
 

A obra e o legado de Daniel Kahneman são um marco não apenas na economia, mas em como entendemos o comportamento humano em diversas esferas da vida. Seus estudos desvendaram a complexidade das decisões humanas, mostrando que mesmo as escolhas que parecem ser as mais racionais são frequentemente influenciadas por vieses cognitivos e atalhos mentais. Isso tem implicações profundas para campos tão variados quanto a psicologia, a economia, a política de saúde pública e até mesmo nosso entendimento do cotidiano.
 

O impacto de Kahneman estende-se além do acadêmico, influenciando políticas públicas e práticas empresariais em todo o mundo. Seu trabalho mostrou que, ao compreender melhor a natureza humana, podemos desenhar sistemas e políticas que ajudem as pessoas a tomar melhores decisões para si mesmas e para a sociedade.
 

Embora Daniel Kahneman tenha partido, seu legado permanece vivo, continuando a inspirar pesquisadores, formuladores de políticas e todos os interessados em desvendar os mistérios da mente humana. Sua contribuição transcendeu as fronteiras da ciência econômica, tocando o coração da questão sobre o que nos faz humanos e como podemos navegar melhor pelas complexidades da vida. Seu trabalho permanecerá um testemunho de sua genialidade, curiosidade e dedicação a entender a racionalidade e irracionalidade que guiam nossas vidas.

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